SALVADOR, 07 DE NOVEMBRO DE 1994.
A PRIMEIRA CONVERSA COM JOÃO JORGE NA SEDE DO OLODUM.
J.- João Jorge, eu gostaria de saber como é que você define movimento negro, o que é isso para você?
J.J.- O movimento negro é conjunto de pessoas e instituições que lutam contra o racismo e pela promoção desenvolvimento da comunidade afro-brasileira, no caso específico do brasil.
J.- E a sua participação, ela se dá desde quando exatamente?
J.J.- No sentido prático, ela começa a partir de 1979, mas no sentido teórico, ela vem desde quando eu me entendo como negro e entendia e via uma sociedade diferenciada, as pessoas eram distinguidas pala cor da pele, pelo cabelo, pelo sexo, pela religião, pela origem étnica, então, bastante anterior. mas, isso é um processo de conscientização que toda pessoa passa, alguns reagem a esse processo e outros mergulham num estado mental que é mais conhecido como alienação.
J.- E como foi essa inserção no movimento organizado em 79?
J.J.- Eu trabalhava no polo petroquímico de Camaçari e me interessei por participar do movimento negro unificado, ao mesmo tempo em que comecei a fazer parte do IIê Aiyê,eu era originalmente do Apache do Tororó no sentido de conciliar, de juntar a parte política e a parte cultural. então, um começo até confuso, porque era uma época em que estes dois setores da militância não se juntava muito, um fazia uma coisa, o outro fazia outra. na época, por exemplo, dentro do Ilê Aiyê havia muita crítica ao Mnu e dentro do Mnu havia muita crítica ao Ilê Aiyê e isso com o tempo foi se superando, foi chegando a novos padrões, a novos parâmetros.
J.- O que me interessa muito e essa divisão entre o cultural e o político, isso tanto nos anos 70 como hoje, como é que você vê esses limites aí?
J.J.- Essa divisão do cultural e do político foi promovida, principalmente, pela forma como o brasil foi colonizado, pela forma como o brasil fez a independência e pela forma com que nós chegamos a república. parte da idéia do colonialismo português separa a cultura de um povo de sua vontade política de auto-determinação, numa série de coisas; esse mesmo padrão foi usado para as colônias portuguesas, para favorecer exatamente um sistema de dominação e que tem como principal conseqüência a perda de identidade,a perda da consciência e de valores diferentes.
Ora, o negro brasileiro sempre foi um agente político, cultural, desde o quilombo dos Palmares que o negro brasileiro tem tido a iniciativa de fazer proposições para a sociedade brasileira e sempre o fez juntando a identidade cultural com a ação política. os quilombos eram exemplo disso, as revoltas dos escravos, a participação do negro na luta pela independência da Bahia, a participação do negro na guerra do Paraguai, na República, a participação do negro como trabalhador nas fábricas. só que alguns setores do próprio movimento e também da esquerda em geral, passaram a dar um recorte europeu nisso.
Tipo o seguinte: política é uma coisa e cultura é outra coisa, a tal ponto que muitos de nós absorvemos de que era incompatível política, no sentido politicamente correto, com cultura. é nos anos 70 justamente que começa a abrandar um pouco essa visão excessivamente europeizada de que cultura é uma coisa que não presta, é só lazer, é só arte, não leva a nada, não rompe com os padrões da sociedade e que por isso que era assim a via única para fazer as coisas.
Hoje já, por exemplo, há muitos setores da sociedade não vêem a cultura e política como coisas distintas, ao contrário, vêem como síntese de um novo pensamento de uma nova forma de fazer; o Olodum é uma boa referência disso, o Olodum é um grupo político-cultural, se expressa politicamente, mas faz acima de tudo atividades dentro do ambiente cultural e isso foi uma forma interessante, nova e criativa de se chegar a milhares de pessoas no país inteiro, passar a idéia de um grupo, mandar a mensagem, de conscientizar as pessoas de coisas, mesmo que a cidade não tenha mudado como nós gostaríamos. mas, de qualquer forma as nossas idéias, o simbolismo que nós demos às cores que usamos, a geração de uma idéia relacionada com som; hoje onde você escuta a palavra Olodum, você se lembra automaticamente do som do Olodum e se lembra da idéia de negros fazendo coisas. quer dizer, criamos uma imagem positiva da comunidade negra que nos últimos anos não existia; existia muito choro, muita lamentação e o Olodum se constituiu com uma imagem de que o negro pode fazer coisas, pode se organizar, pode criar passos, pode criar gestos.
J.- E essa participação nos anos 70, já que existia essa diferença em militar no MNU e no Ilê Aiyê, você pode fazer um resumo de como era essa distinção de algo que era dito como político e algo como cultural?
J.J.- Era uma coisa até simples, no ilê aiyê que era um bloco também de carnaval eu participava e atuava no sentido de sair no carnaval. por exemplo, eu comecei a trabalhar no ilê, a desenvolver e, os temas de carnavais, como o Zimbabuê, por exemplo, Mali, Gana temas que participaram ativamente da pesquisa, na elaboração de apostilas, na distribuição do material com os compositores já no Mnu, participei da criação do jornal negro que hoje é um jornal nacional, da captação de recursos para aquilo ali e ao mesmo tempo tive uma tarefa de tornar o Mnu mais palatável, mais aceitável entre a esquerda baiana, entre até mesmo os blocos-afros. eu junto com Bujão, com Gilberto Leal somos as primeiras pessoas a colocar o Mnu em contato com os blocos-afros e diminuir a distância entre o militante do M.n.u com os blocos-afros.
Eu fazia um pouco um papel, na época duramente criticado, que era de tentar aproximar negros de negros, quer dizer, tinha negros que pensavam em fazer política, mas apenas num salão com discurso super-bonito, mas que de forma alguma pisava no meio onde está a negrada, ou ia lá. por outro lado também tinha negro na atividade cultural, que tinham uma visão extremamente deformada da política, do negro na política, de como isso podia render alguma coisa, da própria comunidade negra. então, foi mesmo que ser um elo, no primeiro momento até quando foi possível, quando não foi possível eu saí e terminei vindo para o Olodum, onde foi possível materializar essas idéias, esse som.
J.- E Hoje você ainda vê essa diferença no movimento como um todo?
J.J.- Anda existe muito porque essa diferença está muito ligada à formação, mesmo no olodum que é um grupo político-cultural há pessoas que gostam mais de fazer atividades culturais do que atividades políticas e vice-versa, porque aí também tem a vocação de cada um, tem o perfil do que cada um tem da vida e tem também as pessoas tem mais tecnologia. por exemplo, há gente aqui que tem tecnologia para o carnaval, que tem tecnologia para o show, para a administração, para o discurso político conectado com a ação cultural. e esses vários saber, esses vários fazer é que vão fazer com que agente chegue em algum lugar. nos dias hoje eu acho até que é mais fácil, porque a grande maioria das entidades do m.n. que se dizem político-cultural, as entidades que no ano passado não faziam nenhum trabalho político começaram a fazer como hoje em dia o ilê aiyê tem uma escola, o ilê começa a participar mais ativamente das coisas do Mnu, o próprio muzenza, araketu.
Todos querem fazer alguma coisa politicamente porque o olodum criou para fora o modelo. um modelo que não basta só ser no carnaval, tem que ter um trabalho com crianças, com adolescentes, com adultos, com a sua comunidade, na luta contra a violência. então, esse modelo Olodum que deu certo a nível de mídia, a nível de impacto passou a ser uma referência, as pessoas não estão nem fazendo porque estão talvez conscientes, mas estão fazendo porque é um caminho que tem para um grupo negro ser grupo negro e no carnaval dizer- eu sou negro, eu sou mais isso e aquilo. e durante o ano inteiro não existia politicamente não fazia nada. então, o modelo que nós criamos está começando a servir de referência positiva para várias pessoas, várias organizações.
J.- Eu, por exemplo, já ouvi aquela expressão do Olodum a negritude nos anos 90. o que você teria de parâmetros de comparação da negritude dos anos 70 que você viveu e hoje essa nova geração negritude dos anos 90?
J.J.- A negritude dos anos 70,80 era mais denunciativa, ela era a negritude do reclamar, do dizer: -olha, eu sou contra isso, não gosto, estou sofrendo por isso, etc. a negritude dos anos 90 é uma negritude finalizadora, ela mistura competência, a capacidade de agir, de intervir na sociedade, de apresentar um projeto, um programa para essa cidade e ao mesmo é uma negritude capaz de ampliar seus horizontes. o que pode definir muito bem essa negritude dos anos 90 do Olodum é a agressividade com que o Olodum conquista coisas. o que nós fazemos pode ser feito por qualquer comunidade negra, o que nós realizamos pode ser realizado por qualquer grupo negro; só que tem que trabalhar, tem que ter competência e tem que ter uma visão empreendedora. isso para nós é profundamente importante, para qualquer grupo que queira fazer o que nós fizemos, o que nós estamos fazendo. e esse tipo de provocação, dizer -a negritude dos anos 90- é para que as pessoas reflitam que a consciência negra na Bahia e no Brasil não pode mais ficar presa apenas à questão da cor da pele, do cabelo, do sexo, da aparência externa, sem ter um efeito de consciência profunda que transforme. se nós pegarmos a história do Maciel, Pelourinho nos últimos 15 anos, pegarmos a história dos blocos-afros, a história do M.n.u e compararmos com o que o Olodum fez, nós veremos que houve uma transformação na realidade de todos os segmentos. transformação essa que se foi boa ou ruim, a história é que vai julgar, mas houve um impulso violento para que o negro passasse a ser visto como cidadão, como um agente e não mais como um objeto de análise e ao mesmo tempo como interlocutor folclórico.
E o Olodum é ponta de lança disso, justamente por ser uma negritude moderna, contemporânea, pós-futurológica, uma negritude com parabólica, informática e tudo ao mesmo tempo com o pé no candomblé, com o pé na capoeira, nos quilombos, sem ficar apenas tendo isso como referências de coisas boas para o negro, mas sem se desenvolver. e quando nós falamos disso é o seguinte: o negro da Bahia, o negro do brasil quer se desenvolver ou quer ficar na sarjeta? se quer ficar na sarjeta, então nós vamos reclamar a vida inteira. agora, se nós queremos nos desenvolver nós vamos ter que fazer como os afro-americanos fizeram: ir à luta.
Ninguém pode imaginar que o presidente da África do sul seria apenas um cara que sabe fazer arte marcial negra, tem que ser o presidente de uma nação e se nós negros queremos ser presidente da nação brasileira, queremos ser governador do estado da Bahia, prefeito da cidade de salvador, ministro, nós temos que nos capacitar para isso. não podemos passar a vida inteira reclamando de a, b, c; nós somos maioria e além de sermos maioria, nós temos instrumentos para fazer isso, então, nós temos que brigar, materializar e chegar lá. a negritude dos anos 90 ela vai fazer isso, ela vai sedimentar uma discussão cultural, uma discussão religiosa, política, estética dos anos 70 e 80 e vai fazer coisas concretas porque hoje nós somos cobrados por toda a comunidade negra e não negra. -e aí? o que é que vocês vão fazer? pra onde é que vocês vão? antes por exemplo, um grupo como o mnu não podia se queixar da sociedade e hoje você vê: -mas, e vocês estão fazendo o quê? antes o grupo do ilê dizia: -ah, nós os criamos o ilê porque não sai negros no carnaval e tal -mas, e vocês estão fazendo o quê? então, à medida em que os blocos não tiverem respostas para isso, eles vão sumir, vão deixar de ser grupos, porque os grupos se reúnem em dentro da sociedade em função do elo de ligação entre as pessoas, time de futebol, time de basquetebol, a igreja, a universidade, o trabalho, as pessoas se reúnem em torno de um eixo social. o elo social da comunidade negra é lutar por um mundo melhor. imagina o Olodum passar 30 anos denunciando as coisas ruim e depois alguém dizer: -ah, 30 anos, já estou com cabelo branco, vou sair daqui. o Olodum precisa apresentar saldo para estas pessoas, resultado para estas pessoas, porque elas brigaram, pleitearam por muitas coisas e chegaram a algum lugar.
Um exemplo prático aconteceu agora com a morte de um músico do olodum joselito Alves Barbosa , nós não podemos devolver a vida para ele, mas em uma semana nós fizemos uma mobilização de tal forma que resultou na prisão efetiva dos criminosos. nós não tivemos medo de levar várias pessoas e sentar em frente a secretaria de segurança pública; nós não tivemos medo de articular uma rede de solidariedade nacional e internacional para pressionar o governador e o secretário para tomar providência; nós não tivemos medo nem de discutir com a polícia de que estava errado agir contra o rapaz e muitas entidades dentro do movimento, com exceção aquelas que apoiaram, se esconderam com medo. ora, para que é o movimento senão para lutar pela vida, pela melhor qualidade de vida das pessoas. então, a família do rapaz soube que ela não estava sozinha, o tempo inteiro ela estava com o Olodum, que a negritude dos anos 90 não ia deixá-los só, acéfalos e sem poder resolver suas coisas e mais: todos que nos acompanham souberam, tiveram a noção que tanto faz um diretor, como um músico, não importa, nós defendemos a vida.
J.- Uma coisa que me deixa curiosa também é em relação ao tipo de luta; .quando você vê a necessidade de uma polaridade de luta negra e quando você vê a possibilidade de uma pluralidade como você falou a pouco?
J.J.- Não há mais, nesse final de século, nenhuma condição de luta negra, não há nenhum Haiti, nem Ruanda, nem África do sul, nem Estados unidos. o que há hoje é luta de vários setores para acabar com o racismo; se o negro brasileiro tiver esperando que haver uma polaridade, negros lutando, ele está perdido. primeiro, há muita inconsciência da própria comunidade negra, nós somos profundamente miscigenados e mais: existe hoje muitas pessoas da comunidade negra junto com o poder que nos oprime; então, contra que se lutaria? ora, é muito mais fácil juntar negros, mestiços, brancos, pobres, mulheres, índios, homossexuais para lutar contra o racismo, contra o machismo, contra a escravidão mental, contra a exploração, do que lutar setorialmente. ora, em Los Angeles três policiais espancaram um negro, foi filmado, passou na televisão e no dia do julgamento os policiais foram absolvidos, resultado: a comunidade negra reagiu e houve um novo julgamento com indenização do estado para esse cidadão.
Na Bahia nós tivemos esse assassinato de uma pessoa negra e a maior população negra de uma cidade da América latina não reagiu a isso, fora o Olodum, um silêncio absoluto. então, quando é que vai haver polaridade? se todos os dias estamos matando e as pessoas não reagem; se nós estamos nas piores escolas, nas piores condições de saúde. então, tem que juntar todos os setores contra a exploração e isso é tão importante que o único resultado que houve agora nos últimos anos uma luta negra desse tipo, foi na África do sul, onde justamente a organização que estava à frente desta luta é uma organização formada por negros, mestiços, indianos, brancos e lutam contra o racismo de uma forma plural. fora disso, você não vê nenhum lugar no mundo onde há opressão, onde há negros, brancos, se chegando a algum resultado que seja por esse caminho; porque não há outro caminho e todos os países africanos que fizeram experiência ao contrário, perderam teto, perderam desenvolvimento e distribuíram miséria, é o caso de Moçambique, o caso até de angola, hoje da Guiné Bissau, Cabo verde; são experiências que a gente tem que refletir sobre elas. o caso da África do Sul com todos os problemas que tem, a transição foi montada de forma tal a não penalizar o povo, de não fazer com que a população tenha um socialismo de pobreza que é o que mais, às vezes de uma forma romântica, asa pessoas conclamam.
As pessoas no brasil adoram favela, porque favela é pobreza, é miséria, as pessoas acham ótimo que todo mundo more em favela. eu detesto favela, eu não gosto de pobreza, não gosto de miséria porque acho que a gente não deve fazer política em cima do fato de ter favela, ter alagados; isso é uma visão, inclusive, muito mesquinha. então se diz : -não acaba alagados porque eu vou sempre falar que o governo não faz nada porque tem alagados.
Ora, o que mais aquela população precisa é de ter casas para morar , com ruas para poder transitar, com água, com sanitário. eu quero mais é que alagados como tal deixe de existir. teve tempo que eu dizia -olha, viu como a Bahia é. e tem gente que se apega a isso, diz até assim : -não, é uma vida natural. alagados não é uma vida natural, a pobreza da favela do rio, não é vida natural, até porque nós viemos de um continente rico, civilizações esplendorosas e fomos jogados para esse tipo de vida, entende?
Parece que nós esquecemos que o afro-brasileiro não tem apenas quatro séculos de história, tem milhares de anos de história e que não pode ser computado como se anos de escravidão fosse o símbolo do que nós somos. por exemplo, as pessoas gostam de andar mal vestidas na Bahia e no brasil como símbolo de ser negro, basta ir na África que vai ver que na pobreza africana as pessoas andam bem vestidas; nós somos a cultura da ostentação, de uma cultura de estar bem consigo mesmo. as pessoas interpretaram que devido à escravidão o negro era obrigado a fazer poucas roupas, roupas das piores qualidades, que isso é congênito; isso diz respeito a nós - nem a nós nem a outra raça. só aqueles que não têm condição material, por impossibilidade de ter, que consegue viver na miséria,
Mas nós temos que lutar para ter casa, para ter saúde, para ter boas roupas, para ter tudo, porque é isso que nós queremos para dividir. a distribuição de riqueza, antes se trata de mudança de conceitos, porque não é fácil ser porque aí você tem que romper com os mecanismos brutais da tradição. há algum tempo atrás os afoxés da Bahia não usavam carro de som, saíram com os atabaques e na voz; os afoxés cresceram e com a sua dimensão enorme, continuaram assim. aí vem os trios, botam carros de som. onde há a tradição de que era para usar carro de som? quando essa organização foi criada não havia nenhuma regra na cultura afro que dissesse: - não pode usar auto-falante, microfone. onde isso tira a originalidade? Bob Marley deixou de ser original por usar guitarra elétrica? pelo contrário, incendiou o mundo com suas mensagens, com sua capacidade de provocar conscientização.
Porque nós normalmente tratamos dos adornos como se o adorno fosse principal; principal não é o adorno ou o instrumento, o aparelho, a cadeira que eu sento,não é o que eu sou - são complementos da ação do homem. então, na medida em que você se libera muito disso, você vai atingindo patamares de fazer com que a negritude brasileira seja contemporânea, capaz de intervir, de dar soluções, de apresentar propostas, e mais: capaz de usar de todos os mecanismos possíveis para fazer com que a luta negra avance.porque se não fosse assim nenhum de nós deveria pegar um avião, deveríamos andar correndo como se andava na selva africana. alguns de nós imaginaria Nelson Mandela vindo na Bahia correndo? ora, nós não podemos ser mais africanos do que Nelson Mandela; nós não podemos ser mais seus nacionalistas do que os líderes africanos que deram sua vida por essa rebelião. então, nós temos que ser afro brasileiros com consciência social.
Oo mundo inteiro teve nesses anos uma luta negra consciente, o brasil não está longe disso e não depende só dos brancos brasileiros, da sociedade brasileira, depende de nós; dos milhões de mudos negros brasileiros passarem a falar e dos milhões de surdos negros passarem a escutar. simples, ninguém pode fazer nada pela gente aqui dentro se nós não quisermos fazer. o papel do Olodum tem sido esse: mostrar que uma negritude nessa década pode fazer coisas. como pode? efetivamente atuando, se movimentando, fazendo uma rede de solidariedade em torno da luta contra o racismo.
Colocando abertamente nossas idéias sem ter medo de que elas sejam vistas como erradas. nós somos muito criticados pela participação de pessoas que não são negras no olodum, nós somos muito criticados pela visão moderna de fazer as coisas. mas, isso vem dando resultados práticos, concretos, as pessoas que nós beneficiamos por trabalharem no olodum, por estar na escola criativa, os trabalhos que agente realiza no pelourinho, as pessoas que nós levamos para fora do brasil, a renda que nós pagamos, a geração de renda, a sustentação de famílias, a produção de material para a própria comunidade negra, textos, jornais, a realização de cursos, seminários. quer dizer, isso é um serviço social com um custo altíssimo que ainda não foi computado pela própria comunidade negra. para você ter uma idéia.
Há muito tempo atrás qualquer organização negra para se reunir precisava pedir espaço aqui e ali, hoje nós oferecemos nosso auditório para qualquer reunião, não precisa mais pedir a ninguém. tem uma entidade negra que tem o seu espaço capaz de atender bem, fazer desde casamento , batizado, 15 anos, como cursos, seminários, palestras, recepção, etc. e é nosso, não foi dado por ninguém, foi adquirida pela luta do Olodum. então, isso é alguma coisa, porque nos anos 80 nós não encontrávamos; a gente para se reunir tinha que ir para o teatro Miguel Santana, a diretora as 9 horas apagava a luz para a gente ir. hoje se a gente quiser ficar aqui até meia noite, a gente fica. isso é uma capacitação de você poder fazer suas próprias coisas, então a gente pode dizer sim e não ao que a gente quer dizer. e tem aqui uma casa de cultura, aberta, atuante, sempre a disposição das pessoas; é um serviço público, não é?
J.- E a nível pessoal, como é para você ter passado por uma militância negra? o que isso formou em você?
J.J.-tem sido uma experiência fantástica. eu sou um poeta, eu escrevo poesias, escrevo textos e gosto de escrita como uma arma flamejante. então, nestes últimos 15 anos que tenho estado nas ruas de salvador eu consegui realizar meu sonho de ver negros na Bahia vestidos de Egito, vestido de Madagascar, de Etiópia; ajudei a cortar a história de Lampião, Corisco e Maria Bonita; peguei meu sonho de adolescente, de criança e materializei junto com meus companheiros no olodum. imaginava, por exemplo, há 10 anos atrás que uma organização negra tinha que ter sede, tinha que ter escola, uma boutique, equipamentos, tinha que poder se comunicar com o mundo, tinha que conhecer países e hoje eu me sinto sinceramente honrado de ter podido participar dessa luta e ao mesmo tempo me sinto prezarmos de tudo que eu imaginava fazer foi feito, agora falta o que? um canal de televisão, uma emissora de rádio e comprar um satélite e a nível pessoal, claro, tem um prazer muito grande em ter sido parte da luta de meu povo aqui e aprendi nos longos anos de viagens internacionais, principalmente na África, que tinha de escolher entre a opção de ser um moleque ou ser um estadista. como o Brasil não tem estadista negro, resolvi que seria melhor tentar ser um estadista negro.
Alguém com capacidade de liderar uma luta de nosso povo e ao mesmo tempo ter condições de tranqüilidade para negociar os momentos mais difíceis; quando pessoas nossas são baleadas, são assassinadas, no momento de tensão com a polícia, negociar com todos os setores com respeitabilidade. hoje tenho sido, nos últimos anos, um interlocutor da comunidade negra no estado da Bahia, com o governo, com empresas, com agentes nacionais e internacionais com crédito. Você sabe que eu não brigo nada para mim, pelo contrário, tudo está sendo colocado à disposição de uma estrutura que funciona para todos. e isso é muito importante porque deu credibilidade à fundação Olodum para ser o responsável por repasse de recursos para eventos, ao mesmo tempo de ser um interlocutor com os setores quando as coisas se dificultam e ao mesmo tempo também deu ao mnu um interlocutor [positivo que é o Olodum através do seu presidente.
J.- você já tem quanto tempo no Olodum?
J.J.- Eu estou no Olodum desde 83. primeiro, fui eleito diretor de cultura, depois fui eleito presidente, já estou no segundo mandato como presidente, termino em 25 de abril de 1995.
J.- Bom, de minha parte era só.
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