domingo, 29 de janeiro de 2017

Uma Literatura Faraônica. Olodum

Uma Literatura Faraônica
A música do Olodum - Uma Estrada da Paixão

A música do Olodum tem um importante valor histórico. É a música das ruas, do carnaval, da cultura e da luta contra o racismo, nascida no Pelourinho, cenário natural da aventura musical do Olodum. Uma musica de um mundo com profundas mudanças, um mundo imerso em ninharias, guerras e tragédias. 
É neste universo que a música do Olodum celebra aniversário dos 30 anos da gestação de ritmo samba - reggae e da cultura da liberdade com anseios de promover a paz e o desenvolvimento de uma mentalidade da diversidade humana através da reeducação dos símbolos e mitos.   

A música do Olodum é patrimônio imaterial dos moradores de Salvador, dos baianos, dos brasileiros e das pessoas no mundo inteiro que compartilham com nossas antigas e novas idéias de revolução com prazer, de apego a não violência, e do carinho com a matriz africana das civilizações. 

Coerente com a luta social e política dos afro-brasileiros na luta contra o racismo. A musica do Olodum busca um retorno à juventude e encontro de gerações. Porém é no discurso social e político que a arte do Olodum realiza  é uma ação inovadora. A música do Olodum tem a batida negra perfeita, o refinamento da África, o sabor do mar de Yemanjá, e a incrível história do continente original a África, a partir do Egito antigo, a partir do casal solar, o senhor Akhaenaton, e a senhora Nefertiti (a bela que chegou). 

Anunciadora dos novos tempos, porta-voz de um movimento da cidadania negra, urbana, e futurística baseada nos rituais da tradição dos candomblés, da Capoeira, dos Quilombos, de Bob Marley, de Mandela, de Malcom X, de Maomé, de Buda, de Shiva, de Jesus.

A poderosa música do Olodum é acima de tudo a música dos Yorubás dos Ibos, dos Gêges, dos Ijexás, dos Kibundos, dos Umbundos, dos Macuas, dos Ashantis, negros africanos que vieram do golfo da Guiné, da costa dos escravos , e da baia de Luanda (Angola) em tamanha quantidade que fizeram de Salvador da Bahia, a Roma Negra a terra dos Gladiadores da Negritude. E também a música do fenômeno religioso chamado por todo o povo de "Olodumaré", o nome de Deus, em yorubá, o nome da Rosa, a explosão que criou o mundo, e fez os homens e as mulheres, criou a terra o mar, o sol, e a lua, separou a noite do dia, Gueb e Nut, e deu-nos a capacidade de pensar, sonhar, e fazer músicas. 
 Um importante instrumento da memória de nosso povo e da educação contra o racismo e pela igualdade, desejamos que as músicas que fazem parte deste literatura musical sejam eternas, como eternas têm sido as pirâmides, eterna tem sido a cidade de Oyó, eterna tem sido a cidade de Ifé, eterno tem sido o rio Nilo,  eterno tem o Kilimanjaro, eterno tem sido o deserto do Saara, eterna tem sido a luta dos homens por justiça.

O som do Olodum é também para ser escutado e dançado através dos novos hits, e as históricas musicas do protesto político, como as musicas " Lutar é preciso, Faraó, Protesto do Olodum, Madagascar Olodum", e assim quando os nossos corpos não mais estiverem por aqui, o som da igualdade estará em nossos filhos e netos, assim como, os Quilombos do Palmares, a Revolta do Búzios, a Revolta dos Malês, a saga anti–apartheid sobrevivam, e assim como Horus e o seu pai, Osiris, o renascido, voltem muitas vezes para o nosso povo.

Desta forma através das letras e da melodia destas músicas, está escrito assim um importante capitulo desta negritude vitoriosa,  literatura consciente que ao longo de trinta e sete anos, deu ao povo negro as vitórias simbólicas que precisávamos, para ir em busca do sol, das estrelas e do mar e de Deus. O Olodum tornou-se um movimento negro que tem idéias, conceitos, com a literatura Faraónica da poesia e das musicas e que vai à luta para vencer, brilhar, e ser feliz como as estrelas Sirius A e B e  constelação de Orion.

S.O.F





Literatura Faraônica.

Foi subindo o Pelourinho
Que um dia ouvi um som, 
Que me falava com clareza
Dos tesouros de Tutankamon

Hoje lendário como um trovão
Acende estrelas que se apagaram
A sua chama queima mais forte 
Guerreiro fogo Deus do Pelô ô ô..

Ithamar  Tropicalia.
Wellington E. Negra.
Romilson  JKI

JOÃO JORGE


Presidente do Olodum

Os meninos e as meninas. Os amados para sempre.


Em Brasilia. 2010 . Palacio do Planalto. Posse do Presidente Lula segundo mandato.


Em Brasilia diante das estrelas no céu do cerrado...


Em Porto Seguro esperando o voo para Salvador 1994.


Na Alemanha em 2006 no Show da Copa do Mundo com a Banda Olodum. Portão de Brandenburg


Daouda Dione do Senegal em Paris. Meu amigo e irmão obrigado.



Recebendo o resultado do DNA de meu pai e de minha mãe. Origens Africanas e Indigenas com muito orgulho. Povo Akan e Tupi Guarani.


Egito O Vale dos Reis.. 2016


Na ladeira do Pax andando por ai .


Joao Jorge e Edy City no show de Ivete em Salvador.


Olodum um povo trazido do seio da África.. Ontem na Barra ..


Bloco Olodum Desfile na Barra.. CDMO


Olodum um bloco afro de Samba Reggae 2017


Olodum um bloco de carnaval 2017..


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

30 anos de Samba Reggae - Eu Falei Faraó .. Algumas memórias. By João Jorge

Eu falei Faraó.

30 anos do Egito negro na Bahia.

Cheik Anta Diop.


1
A Imersão Egípcia 
O nosso passado
O nosso presente e futuro
O fundo do poço na busca da negritude 
Do Vale dos Reis
Do delta do Rio Nilo 
Ergueu-se uma civilização ancestral
O Egito dos faraós, dos enigmas,
Dos mistérios, da sabedoria
Do nordeste da África, para o mundo 
Pirâmides e sarcófagos
A ave fênix, recriada pela luz solar 
Vem a nossa terra Bahia
Para um encontro de deuses 
Olodumaré o senhor do universo-Deus 
Aceitará Osíris e Isis como filhos
E transformará seus filhos do Olodum 
Em faraós fundamentalistas. 
É finalmente encontrada a raiz
No crepúsculo do terceiro milênio 
A arte e a cultura egípcia
será nosso vetor 
E a energia eterna
Dos templos piramidais
Nos dará força para combater o mal 

O deus Seth, a Babilônia, o racismo 
Já não somos o pinto dentro do ovo
É um grito profano e sacro
De um povo magia, rebelados 
Fazendo nossa história, sujeitos ativos 
Mensageiros de uma nova era 
Vai Egito, do deserto fértil, e diz
O teu povo, quem és,
Porque és inteiro
Toca cada homem, cada mulher, 
Cada Criança, no fundo dos corações 
E semeia paz, espalhe glória e riquezas 
Faz de cada trança o turbante dos faraós 
Rastas vem de Rá? 
Rá é o sol em egípcio 
E a esfinge a apreciação dos novos tempos 
Tempo em que seremos todos iguais.
 João Jorge Rodrigues - 1986. 
S.O.F



Ê, FARAÓ!

MARA-MARAVILHA IÊ EGITO, EGITO, IÊ 

"Ê, Faraó"! A saudação ecoou lá do Pelourinho e tomou conta da cidade. Começou no verão, na quadra de ensaios do bloco carnavalesco Olodum, que escolheu para tema de seu desfile, no Carnaval 87, a antiga civilização egípcia. Na Quarta-feira de Cinzas, éramos todos "faraós", soberanos, divinos e imortais. Daí para o primeiro lugar nas FMs foi um pulo.
Acostumados a ver a gravação em vinil preceder o sucesso, é de espanta que "Deuses Cultura Egípcia Olodum", nome oficial de "Faraó", seja a música mais pedida em todas as emissoras de frequência modulada da cidade. 
Mas não é isso que espanta neste hit carnavalesco que atravessou a quaresma e promete arrasar no São João. Os blocos afro costumam eleger para tema de seus desfiles assuntos relacionados às raízes dos negros baianos. Daí, o espanto: 
"O que é que a Bahia tem a ver com o Egito"? A rigor, nada, esclarece o historiador Cid Teixeira "Mas isso não tem a menor importância", diz o professor, fascinado pelo "apelo rítmico de Faraó. "Essa música, pra mim, é uma reedição anos 80 de Ala-la-ô. Ambas têm um ritmo empolgante e tratam do Egito. É bobagem cobrar da criatividade das pessoas esta relação estreita com suas raízes". 
Num carnaval cheio de negros apaches, saídos diretamente do Cine Pax para o asfalto da Avenida Sete, ter ou não ter a ver com a Bahia é o que menos importa. Mas "Faraó" não é mais uma espécie de "samba do crioulo doido". O Egito foi escolhido como tema a partir do diretor cultural do Olodum, João Jorge Rodrigues, também diretor da Fundação Gregório de Matos. Em artigo publicado na TRIBUNA DA BAHIA, ele explica que o objetivo do bloco era homenagear uma civilização surgida na África, composta por negros. 

PIGMENTO NEGRO 
Para quem se acostumou a ver o cigano-russo-americano Yul Brinner e a loirissima novaiorquina Anne Baxter vivendo o faraó Ramsés e sua esposa Nefertare, nas telas hollywoodianas, a idéia de que os egípcios eram negros pode causar espanto. Mas o Olodum baseou-se nas teses do senegalês Cheik Anta Diop para sair pelas ruas carregando uma esfinge, durante o Carnaval. 
João Jorge Rodrigues explica que Diop, "através das radiações medidas com o carbono 14, detectou um alto teor de melanina nas múmias egípcias". E melanina - vocês devem saber porque está no Aurélio - é o pigmento negro da pele. 
Mas o som de "Faraó" já tomou conta da cidade, abafando as discussões. A multidão que requebrou a dança da galinha aos acordes deste enorme sucesso, certamente não se preocupa se Cecil B. de Mille cometeu um erro antológico, ao escalar todo um time de atores brancos para viver os egípcios de seu mastodôntico "Os Dez Mandamentos". Cinema e Carnaval têm direitos muitos parecidos. Marlon Brando, vestido de japonês em "Uma Casa de Chá ao Luar de Agosto", e nossos blocos de índio que o digam. 
O objetivo do bloco Olodum em chamar a atenção para o Egito era "questionar o que se ensina nas escolas". A civilização egípcia é apresentada, nos ginásios brasileiros, como uma civilização "mediterrânea e oriental". Nosso livro didá ticos parecem desconhecer o fato de que uma cultura tão forte e influente floresceu no continente africano, de onde só se espera batuque e azeite de dendê. O apelo é à consciência. Mas não há cintura que fique sem mexer ao som de "Faraó". 


REVOLUÇÃO DO FARAÓ 
E foi pelas cinturas de Salvador que "Faraó"armou uma pequena revolução. O gerente de programação das rádios Sociedade e Itapoã FM, Cristovão Rodrigues, conta que nos seus 20 anos de rádios viu poucos sucessos tão avassaladores como o tema do Olodum. "Só vi um caso parecido, que foi com A Última Canção, no começo dos anos 70". Convém lembrar que esta música, gravada pelo cantor Paulo Ségio, teve o dom de permitir a seu intérprete superar a vendagem de Roberto Carlos, no ano de seu lançamento. 
Faraó "é em disparada a música mais pedida aqui na FM", diz Rodrigues. Chega a receber mais de noventa pedidos por tarde, sendo executada dez vezes por dia pela emissora. "Se a gente fosse satisfazer a vontade do público, tocava "Faraó"o tempo todo". E aí é que está a revolução representada pela música. Os ouvidos do público estão acostumados aos sucessos "trabalhados"pelas gravadoras. O processo é sempre igual: grava-se o disco, as FMs divulgam, aparece clip no Fantástico e está feito o estrondo de vendas. 
Com Faraó foi diferente. A música correu de boca em boca, a partir dos ensaios do Olodum, no período pré-carnavalesco. Gerônimo, pai de "Jubiabá"e do "Negão", inclui "Faraó"no repertório de seus shows. A Banda Mel ouviu, gostou e cantou do alto do trio, na quinta-feira de Momo. Sem estar impressa em disco, "Faraó"se impôs nas rádios de Salvador, através de gravações em fita. São quatro gravações ao todo. A da Banda Mel, tocada pela Itapoã FM, a da Banda Reflexo, tocada pela FM Itaparica, e de Margareth Menezes e Djalma Oliveira, e a de Betão, que é integrante do Olodum. 
No próximo dia 30 de maio, "Faraó" chega às lojas de discos cantada pela banda Mel. "A primeira vez que ouvir a música, senti a energia. Mas juro que não esperava este sucesso todo. Foi uma surpresa e tanto", confessa a vocalista do grupo, Janete Reis Dantas, 20 anos, que emprestava a voz a "Faraó" na gravação apresentada pela Itapoã FM. O LP da banda sairá pela gravadora Continental e desde já se espera uma vendagem enorme. "Com um sucesso desde puxando o disco, a gente está na maior felicidade", diz a cantora. Minutos antes, ela pôde testemunhar, mais uma vez, o efeito devastador de "Faraó" sobre a platéia. Gravando um especial para a TV Itapoã, que foi ao ar na última sexta-feira, Dia do Trabalhador, a Banda Mel pôs todo o público do auditório para se remexer, na dança da galinha, assim que foi anunciado o primeiro acorde da música. Aos gritos de "Faraó, Faraó", a a galera mal podia esperar que o sonoplasta soltasse o play-back da música para a gravação do grupo. 
Uma festa. Cristovão Rodrigues não se surpreende com o sucesso da música. "Ela já era sucesso nos meios carnavalescos, tinha tudo para emplacar". Ele foi apresentado ao poder do Faraó pelo locutor da Itapoã FM, Manolo Posadas. A partir de uma primeira gravação, "meio ao vivo", com a Banda Mel, e da enchurrada de pedidos que começaram a bater nos telefones da emissora, a rádio resolveu bancar uma gravação de estúdio, que é veiculada com insistência, para delirio dos ouvintes. 
DEPOIS DO "NEGÃO" A HORA E A VEZ DO FARAÓ 
O compositor desse sucesso luciano dos Santos, é um rapaz humilde de apenas 20 anos, que está esperando o pai retornar de viagem para junto com ele, reivindicar os seus direitos autorais, pois "Faraó"a tocada cerca de 15 vezes por dia em cada uma das quatro FMs que possuem a fita, e até agora Luciano nada recebeu, nem sequer seu nome é divulgado como autor. 
Por enquanto, existem quatro gravações de "Faraó", todas feitas durante o Carnaval. Uma foi pela Banda Mel com exclusividade para a Itapoã FM), outra feita pela Banda Reflexus (para a FM Itaparica), a primeira na voz de Betão, integrante do Olodum, executada nas FMs Itaparica e Bandeirantes, e uma com Margareth Meneses e Djalma Oliveira, na Aratu e Bandeirantes. Nos próximos dias, os ouvintes terão a oportunidade de conhece-la na sua quinta versão, na voz do próprio criador, que em acerto com a Rádio Excelsior, resolveu gravá-la. 
Apesar de estar na boca do povo e de servir até mesmo de saudação entre os amigos , poucos sabem realmente o significado da palavra faraó. Os mais esclarecidos sobre o assunto resultado de um trabalho de base realizado pelo Grupo Cultura Olodum, são da comunidade e do Pelourinho. Entretanto, muitos acham que a palavra é uma espécie de grito nagô outro afirmam que é o "governador do Egito". Para Rosalls Barbosa".Funcionária da Fundação Casa de Jorge Amado, "é a única de uma cidade "João Nascimento, morador do Cabula, disse que Faraó "foi um negro que morreu assassinado pelos brancos". 
"Eu sei que a maioria da população não tem nem idéia do que vem a ser faraó, e não conhece nada sobre as suas origens. Por isso, para amenizar estas desinformação, um bom enredo de carnaval coo Egito dos Faraós ajuda educar a todos. 
A ESCOLHA DO TEMA 
O atual sucesso da música deve-se ao bloco afro Olodum, que desde outubro do ano passado, percorre diversos bairros de predominância negra divulgando a mensagem da letra, e, principalmente, ao espaço dado pelas rádios. Porém, o surgimento de "Faraó" deve-se ao Grupo Cultural Olodum, que desde 1983 explora no Carnaval temática ligadas à conscientização da origem do negro, e este ano optou pelo Egito. desde que foi criado, o Grupo Cultural Olodum, que trabalha com a comunidade do Pelourinho, preocupa-se em acabar com a desvalorização do negro. Como fica claro na própria letra de "Faraó", Pelourinho, uma pequena comunidade que, porém, Olodum unirá em laços de confraternidade". Suas abordagens carnavalescas anteriores foram sobre Rei de Oyô, Guiné-Bisau, Tanzânia, Moçambique e Cuba. 






DEUS, CULTURA EGÍPCIA OLODUM

(Luciano Gomes )

Ê faraó
Clama Olodum-pelourinho
Ê faraó (bis)
Pirâmide a base do Egito
Deuses, divindade infinita do universo
Predominante esquema mitológico
A ênfase do espírito original "Chu"
Formará no Éden o ovo cósmico
A emersão nem Osíris sabe como aconteceu  (bis)
A ordem ou submissão do olho seu
Transformou-se na verdadeira humanidade
Epopéia do código de Gueb e Nut gerou as estrelas
Osíris proclamou matrimônio com Isis
E o mal Seth, irado o assassinou em Per-aá
Horus levando avante a vingança do pai
Derrotando o império do mal Seth
O grito da vitória que nos satisfaz

Refrão
Tutankamon, iê iê Gizé 
Akhaenaton, iê iê Gizé
Pelourinho uma pequena comunidade
Que porém, Olodum unira
Em laços de confraternidade
Despertai-vos para cultura egípcia no Brasil
Em vez de cabelos trançados 
Veremos turbantes de Tutankamon
E, nas cabeças, se enchem de liberdade
O povo negro pede igualdade
E deixamos de lado as separações


ILHA DE MADAGASCAR É O TEMA DO BLOCO OLODUM/88 
Depois de ter transplantado o Egito com seus faraós e múmias para a Praça Castro Alves, o bloco afro Olodum traz agora a quarta maior ilha do mundo, situada no sudoeste da África: Madagascar. Esse será o seu tema básico para o carnaval de 1988. "As peculiaridades desse país africano que reúne árabes, indonésios e bantos, lembra a miscigenação existente na Bahia e é uma das razões da escolha", disse o diretor de cultura do bloco, João Jorge. 
De Madagascar Portugal, França, Inglaterra trouxe muitos negros para vender no Brasil. Essa é outra razão. Então disse João Jorge, levantaremos uma discussão social e antropológicas. Ele informa que o Olodum está se preparando a todo vapor para fazer um Carnaval "rico visualmente, e plurarista" na medida em que serão representadas as três culturas que foram a população daquele país. O colorido será realçado com o uso das sete cores do arco-íris nas fantasias e adereços dos integrantes do bloco que, segundo o diretor, podem chegar a 3.500 pessoas. 
O Olodum foi fundado em 1979 e desde então tem se caracterizado não só como um bloco carnavalesco, mas como um movimento cultural. Na sua sede situada no Largo do Pelourinho, N.9, são ministrados diversos cursos e mostras de vídeo. Conta também com a banda mirim. Mas sua principal frente de luta é pela permanência da população no Centro Histórico de Salvador. João Jorge acrescentou que o Olodum durante os ensaios, tem beneficiado diretamente aos pequenos comerciantes da área. "Nesses dias a gente reune aqui cerca de 5 mil pessoas e elas acabam vendendo até 80% a mais do que conseguem no cotidiano". 
Apesar de existir desde essa época o Olodum caiu na boca do povo depois do hit Faraó. Tema do Carnaval passado que invadiu as rádios AM e FM e tomou conta das festas e reuniões populares. Tudo isso foi reforçado com a subida da "Ladeira do Pelô, balançando, a banda pra lá, balançando... 
Em setembro, durante o Festival Latino-Americano de Arte e Cultura, que aconteceu em Brasilia, o Olodum esquentou os seus tambores para mais de 5 mil pessoas. No Lançamento do disco do Olodum, na Boca do Rio, João Jorge disse que o bloco se apresentou para aproximadamente 120 mil pessoas. Recentemente tocou na Feira do Interior, no Parque de Exposições Agropecuarias. 
Ontem à noite, em mais um dos seus ensaios, preparando-se para quando o Carnaval chegar, aconteceu mais uma fase eliminatória do Festival de Música e Artes do Olodum (FEMADUM), programado para 31 de janeiro, quando serão escolhidas a melhor música e a negra Olodum - 1988. 
Fonte: Jornal da Bahia Data : 06/12/1987 
PONTE AFRICANA 
EM SALVADOR, A FOLIA MUDA DE RITMO E EXALTA A NEGRITUDE 
O folião de qualquer Estado do Brasil que, na manhã de quarta-feira passada, desembarcasse no encerramento do Carnaval de Salvador, na Praça Castro Alves, poderia pensar estar diante de um outro tipo de comemoração, num outro país. Este ouviria os acordes do Boleros, a consagrada obra do compositor francês de música clássica Maurice Ravel, acompanhados de tambores ou de balançadas salsas do Caribe. Espalhadas pela praça, dezenas de milhares de foliões brincavam não aos pulos como é tradição no Carnaval da cidade, mas em lentas evoluções, como num ritual. 
O Carnaval de salvador, com seus trios elétricos, os imensos palcos ambulantes que arrastam multidões, sempre se diferenciou do modelo de carnaval vigente em todo o país - o das escolas de samba cariocas - e também do Carnaval do Recife, com suas bandas de frevo. Este ano, porém o que se viu em Salvador foi algo mais. A cidade consagrou um novo tipo de Carnaval, em que o sentimento de negritude é um temperoso tão atuante quanto a alegria. 
Na base desse novo Carnaval está a música que o anima. Foram banidos os frevos executados com guitarras, que formavam a base musical dos trios elétricos. Em seu lugar, entrou uma exuberante mistura de ritmos importados do Caribe, como o reggae, com a percussão de origem africana, antes cultivada apenas por grupos de raízes folclóricas. Ou ainda excentricidades - como o Bolero. A coreografia do Carnaval também mudou. 
Atrás dos 65 trios elétricos que saíram às ruas este ano não se viam folios endiabrados, mas blocos que dançavam de forma cadenciada, ou casais que praticavam a "dança da galinha", em que se mexe o corpo para a frente e para trás. ou a "dança do crocodilo", em que grupos de pessoas se movem lentamente como numa onda. Em consequência dessas novas danças, diminuiu a violência entre os fuliões. 
ILHADO - "Hoje, na Bahia, a música de Carnaval com sotaque africano é quase um culto", observa o compositor Gilberto Gil. O novo Carnaval baiano é a ponta mais cintilante do crescente movimento da população negra da Bahia pela valorização de sua estética. Atuando como uma espécie de laboratório desse movimento, a música de Carnaval, nos últimos anos incorporou com velocidade vertiginosa os ritmos negros de outros países. O próprio Gilberto Gil foi um dos primeiros a estabelecer essa relação em seus discos anuais. 
No ano passado, o compositor Luiz Caldas tornou-se o rei Carnaval da Bahia ao inventar o deboche, um híbrido de batuque e ritmos caribenhos. Este ano, as fusões de ritmos negros monopolizaram o som da folia. 
Moçambique é
De 6 em 6 minutos um negro vai morrer
Desmond Tutu contra o apartheid na África do Sul.
diz a letra de Protesto do Olodum, sucesso so bloco afro Olodum. 

Na bolsa de popularidade do novo Carnaval baiano, Luiz Caldas continua como campeão. Sua música Haja Amor foi a mais executada durante a folia. Caldas, porém não está mais sozinho no papel de grande ídolo. Artistas que surgiram na esteira de seu "deboche"tornaram-se estrelas. Como o compositor Geronimo, autor do megassucesso Lambada da Delícia. "O Carnaval em Salvador tornou-se um mercado persa, em que novos ritmos são sempre bem recebidos", define Geronimo. Salvador, que já se orgulhava de ter o mais animado Carnaval de rua do país, tem agora também um dos mais criativos. E de uma criatividade que atravessa e delicia todas as faixas etárias e parcelas da sociedade de Salvador. Da mesma maneira, no sentido inverso, é um Carnaval que parece destinado a permanecer ilhado em Salvador - um produto típico da cultura local que, como o frevo em Pernambuco, não se espalha pelo país. 
Fonte, VEJA, 24/02/1988 

REPÚBLICA NEGRA DA BAHIA 
Segunda maior concentração mundial de descendentes de escravos, com 80% da população formada por negros, a Bahia assiste a uma exaltação da negritude, em um fenômeno que explode na música, na cultura, na política, nos costumes e na religião. 
Em um encontro que durou três dias, em Salvador, lideranças negras de várias partes do País trocaram informações e sugestões sobre as comemorações dos 100 anos de abolição da escravatura. E aquilo que muitos consideram manipulação desse tema pelo Governo Federal só fez aprofundar o racha no movimento negro, pelo manos na Bahia, onde é maior a politização desse segmento da população - uma parcela de 80% em Salvador - e são mais constantes e disseminados os estudos africanos. 
Imediatamente, o Conselho das Entidades Negras da Bahia (Cenba) decidiu intensificar, agora a nível nacional, até o dia 13 de maio, três campanhas que já estavam em andamento na Bahia: "Abolição, 100 anos de traição" (comandada pela ONDA - Organização Negra da Diáspora Africana); "100 anos sem abolição" )organizada pelo bloco afro Os Negões); "100 anos de resistência à falsa abolição" (organizada pelo Cenba como um todo). 
"É so uma data para reivindicarmos mais coisas." Esta frase do antropólogo negro Waldelo Rego - autor de Capoeira Angola, o melhor e mais completo livro sobre o assunto, resume o que a maioria esmagadora dos negros da Bahia pensa dessas comemorações. Edson Viana, coordenador de projetos especiais da ONDA, uma das entidades que integram o Cenba, é mais candente: "A Lei Áurea foi pura demagogia em torno de uma medida imposta pelos canhões dos ingleses", 
Na verdade, esse racha no movimento negro da Bahia já se desenhara desde novembro, por ocasião das comemorações do Dia da Consciência Negra, no aniversário da morte de Zumbi. Após muita luta e muito questionamento a respeito de falsos heróis ungidos pela historiografia oficial - como o psicopata Domingos Jorge Velho, o traidor negro Henrique Dias e o mercenário Felipe Camarão - os negros obtiveram do Patrimônio Nacional o tombamento da Serra da Barriga, em Alagoas, onde por quase um século a república negra dos Palmares resistiu a dezenas de expedições nas quais eram jogados todos os recursos disponíveis da época. 
Esse local foi então oficializado como uma espécie de Meca para a peregrinação de negros do Brasil e até de outros países - no ano passado, esteve lá Shockley Carmaiechael, o líder dos Panteras Negras dos Estados Unidos. O bloco Olodum - fenômeno que fez um disco só com músicas negras vender mais de 100.000 cópias em poucos dias, só na Bahia e algumas entidades que integram o Cenba se recusaram a ir à serra da Barriga no terceiro ano de seu tombamento. Motivo: o ministro Celso Furtado, da Cultura, criou uma comenda para ser entregue, lá, ao senador Afonso Arinos de Mello Franco. Argumento dessas entidades: além de a Lei Afonso Arinos não ser respeitada, ela está ligado a todas investidas obscurantistas ocorridas no Brasil nas últimas décadas. 
Agora, além da intensificação das campanhas contra a visão oficial da abolição da escravatura, criou-se um troféu, com o nome de Zumbi dos Palmares, a ser entregue no Estádio da Fonte Nova, no dia 13 de maio, num evento programado para reunir mais de 70.000 pessoas. 
A ruptura ficou definitivamente explicita quando lideranças negras mais firmes, ligadas ao Cenba, sentindo que a palavra final sobre os festejos seria do Ministério da Cultura, mas ainda procurando contemporizar, tentaram sem resultado obter de seus representantes a garantia de que o presidente José Sarney não falaria pela televisão no 13 de maio com o objetivo de obter apoio dos negros para seu governo, e de que o Brasil romperia relação diplomáticas com a África do Sul. Aconselhado por seus assessores o compositor Gilberto Gil, que é candidato a prefeitura de Salvador e também integra a comissão organizadora dos festejos, não compareceu ao encontro. local foi assinada pelo ministro Celso Furtado durante uma visita à Bahia e ao terreiro. Na ocasião criaram-se também as casas de Cuba, do Togo e do Benin na área histórica de Salvador (a Bahia já mantém há tempos intensos intercâmbio político-cultural com esses dois últimos países). 
Logo a seguir, a Fundação Cultural Gregório de Matos - a Secretaria de Cultura da Prefeitura, hoje dirigida por Gilberto Gil - tombou outras importantes casas de candomblé, iniciando imediatamente os trabalhos de melhoramento e ampliação de seus terreiros. Com essa medida, os terreiros de candomblé foram elevados ao mesmo status de que gozam outros templos religiosos, como as sinagogas, as mesquitas, as igrejas católicas e protestantes. "Já não era sem tempo, não é?", comentou Gilberto Gil, autor da iniciativa e que, frequentemente, sublinha o fato de salvador ter a segunda maior concentração de negros na diáspora africana, resultado do sistema escravagista (a primeira está na Jamaica). 
Em Santo Amaro da Purificação, ocorreu durante quatro dias o I Encontro de Negros do Recôncavo, reunindo grupos políticos, de dança, de música, de capoeira e maculelê dessa cidade, de Cachoeira e de São Felix, todas com raízes negras. 
Ao mesmo tempo, começava na TV Educativa baiana um programa só com negros, que entrevistou na sua estréia, entre outras personalidades negras, a secretária de Educação do estado, Maria Augusta Rocha. No Teatro Castro Alves, o Ilê Aiyê promoveu mais uma exposição em homenagem à Mãe Preta. Pouco depois, numa reação à ingerência do Governo Federal na comemoração do Dia da Consciência Negra em vez de ir à Serra da Barriga, o bloco afro Olodum promovia um desfile com muito reggae e ijexá, enquanto na Bibliotaca Central de Salvador era inaugurada a Sala Winnie Mandela, numa homenagem à mulher de Nelson Mandela, o líder negro sul-africano preso há anos pelo governo racista. E circularam cartazes anunciando que "a negritude está presente na Rádio Educadora", 




OLODUM, "VULCÃO DO PELÔ" - 

De fato, as raízes negras são a base da cultura da ascensão do Candomblé- O recente encontro de lideranças negras em Salvador, com seus desdobramentos, foi a culminação de um trimestre particularmente profícuo para o movimento negro na Bahia, com uma sucessão de acontecimentos que não deixe qualquer dúvida quanto à sua força. Dois discos, só com músicas afros, das bandas Mel é Reflexos, venderam rapidamente vários milhares de cópias. Mesmo antes do lançamento, algumas dessas músicas, em fita, já pareciam ter alugado os primeiros lugares nas paradas das FMs. Foi realizada em Salvador a Bienal de Artes Negras da Bahia. Ao mesmo tempo, o bloco afro Ilê Aiyê fazia uma feira de arte negra no seu reduto, o bairro da Liberdade. 
O terreiro Ilê Axé Opô Afonia (Casa Branca, para os leigos) ganhou uma batalha de dez anos contra a Esso, recuperando toda a área que havia sido ocupada por um posto de gasolina. A carta de tombamento do da Bahia e lhe dão um caráter peculiar no contexto do Brasil. A influência das religiões, das filosofias e das estéticas negras - especialmente no Recôncavo Baiano que inclui também Salvador - pode ser sentida nos mínimos detalhes: o gosto pelo bem comer, o viver a vida aqui e agora, a irreverência, os ritmos, o misticismo africano nos nomes dos prédios e em hibridismos como Orixás Center e Iansã Faschion. 
Um fato ocorrido na década de 70, e que parecia não implicar maiores consequências, contribuiu decididamente para que o que já era negro se tornasse mais negros, na Bahia. Foi quando um negro do bairro da liberdade, após ter sido barrado no bloco carnavalesco Os Internacionais, cheio de ranço racista, decidiu fundar o seu próprio bloco, fechado para brancos e taé para mulatos. O Ilê Aiyê, que reúne hoje 4.000 integrantes, chamou-se inicialmente Mundo Negro - nome vetado pela censura da época - por causa da música com que desfilou pela primeira vez, composta pelo intuitivo Paulinho Camafeu e gravada por Gilberto Gil, entre outros: Que bloco é esse/Que eu quero saber?/É o Mendo Negro/E queremos cantar pra você/Somos crioulos doidos/Somos bem legal/Temos cabelo duro/Somos black pau". 
Para dar uma idéia da força do movimento que esse bloco desencadeou, basta resumir que, uma década depois, tinham sido varridas das ruas de Salvador todas as antigas escolas de samba - Diplomatas de Amaralina, Filhos do Tororó, Juventude do Garcia, entre outras - com a vassalagem que estas prestavam a suas congêneres cariocas, inclusive na vulgaridade das fantasias e alegorias e na mesmice rítmica. 
Em 1983. o mestre-sala da última delas, após executar com a porta-bandeira os cacoetes herdados das antigas cortes europeias e que ainda dão pontos nas escola de samba do Rio, entregou o estandarte a uma comissão da prefeitura, em protesto contra o que considerava excesso de apoio aos blocos afros. 
Esses blocos afros não teriam, por certo, atingido a influência que exercem hoje na produção cultural - com destaque para a música - e na política da Bahia se ficassem restritos a uma espécie de racismo às avessas ainda hoje cultivado pelo Ilê. Estudantes negros de nível universitário - principalmente da Escola de Dança e do Instituto de estudos Afro-Oriental da Universidade da Bahi -, deram outro direcionamento aos blocos que surgiram no embalo do sucesso do Ilê. 
O certo é que o movimento desencadeado pelo Ilê atingiu Salvador como um furacão, mudando a cara da população, a postura e a linguagem das rádios e dos jornais mais conservados, o Carnaval e a economia. As pesquisas envolvendo a história da África e dos negros na diáspora resultaram no resgate de culturas desenvolvidas, mas apresentadas como "primitivas" pelo dominadores brancos, bem como num orgulho que pode ser fácilmente detectado na postura dos negros da bahia e em músicas deste e de outros anos recentes, como por exemplo, o ABC do Negão, do Ilê Aiyê: "A, e, i, o,u, sou do Curuzú (a rua em que nasceu o Ilê)/, B, c, d, f, g, sou negão do Il". Ou nesta outra: "Batalhas e conflitos/Vitima de sofrimento/Sou eu, negro bonito/Desabafando meu sentimento". 
Esta do Olodum fala, ao mesmo tempo, do orgulho que o negro da Bahia tem de suas origense do tremendo sucesso que os blocos afros fazem onde se exibem: 
"Olodum, negra elite, a negritude/Deslumbrante por ter magnitude/Ele integra num canto toda a massa/Que vem para a praça se agitar/Salvador se mostrou mais alerta/O afro Olodum vai passar". 
Numa das músicas sobre o tema que escolheu para este ano - Ilha de Madagascar -, o Olodum enuncia uma das constantes da música carnavalesca da Bahia na era aberta pelo Ilê: a preocupação política. 
"Protestos, manifestações/Faz o Olodum contra o apartheid/Ah, Pelourinho, Pelourinho/Palco de vivas e negras verdades". 
Com efeito, um dos mais importantes aspectos do movimento desencadeado pelos negros libertou a cultura desse Estado de parâmetros impostos pelo Rio de Janeiro ao resto do País - é o político. 
É inteiramente improvável que um bloco afro da Bahia cante coisas como: "Que beleza/A nobreza do tempo colonial", sucesso do Salgueiro há alguns anos. Compare-se isso com a música-tema do Oloum no Carnaval de três anos atrás: 
"Cuba te vejo aqui/Mesmo sem ter ido lá/ Meu passaporte carimbado/Me proibindo de entrar/É uma ofensa a Cuba/Um desrespeito a mim". 
Nesse mesmo ano, o Malê Debalê desfila com a Namíbia como tema, homenageando ainda paises da linha de frente da libertação africana, como Moçambique, Angola e Guiné Bissau. Sua bateria trajava o que sua direção apresentou como uniforme de gala dos combatentes do Soweto, o grande gueto negro da África do Sul. O Badauê completava a carga: "Lá na África do Sul/O negro vive oprimido/Badauê vem perguntar:/Qual o crime cometido? "Note-se que esses blocos são frequentemente cantados nas letras de Gil e Caetano, quando suas próprias músicas não são gravadas por esses artistas: É o caso da requintada Só quero Ver o Ilê Passar, que consta do último LP de Caetano. 
MULTIDÕES - A era aberta pelo Ilê Aiyê pode ser dividida em antes e depois de Eu Sou Negão (do compositor Gerônimo, um dos mais importantes nomes da música baiana e brasileira no momento) e Faraó, a música do último Carnaval do Olodum. Não foi por acaso que o lançamento conjunto do primeiro LP do bloco e do terceiro da carreira de Gerônimo - Dandá - atraiu uma multidão calculada em mais de 100.000 pessoas ao espaço do antigo aeroclube de Salvador- a Praça Castro Alves, local normalmente usado para esses eventos, foi descartada por não poder conter essa multidão. Como consequência de uma certa acomodação do Ilê Aiyê, era de esperar que a bandeira levantada inicialmente por ele fosse tomada pelo Olodum, "instrumento cultural do Pelourinho", que só há dois anos passou a competir como bloco carnavalesco. 
Por duas razões principais: sua postura política e sua localização o Pelourinho, tradicional centro de resistência às imposições dos sistemas de todas as épocas. Ali se criou o primeiro sindicato operário do Brasil. E, pensando bem, o futebol jogado religiosamente, nos fins de semana, no campo enladeirado de pedras irregulares tombadas pela UNESCO tem muito a ver, em sua essência, com os soldados americanos esfaqueados ali e atirados nas lixeiras na época da II guerra. O futebol é uma forma de desafiar a policia, que também o reprime. 
Com o sucesso de Faraó - premiada no Carnaval passado, embora uma jornalista da comissão julgadora achasse que o Egito "não tem nada a ver com a África" -, passou a haver uma grande corrida às músicas afros, muitas das quais já eram tocadas nas rádios em fitas gravadas nas quadras de ensaios. As bandas Mel Reflexus estouraram com músicas do Olodum (esta última vendeu 93.000 discos antes do lançamento). A Laranja Mecânica emplacou com música do Ilê Aiyê e do Badauê - no último caso, uma composição bastante cantada há cerca de seis anos nas ruas de Salvador, e que diz: "Eu estou a fim de fazer uma viagem/Que o Badauê ofereceu/Com seu povo esperto/Na rua a cantar/Caia na minha cabeça/Uma folha verde/Uma folha real/Pra transar o meu corpo/Neste carnaval". Antes já tinha sido descoberta pelas rádios outra música de grande sucesso nas ruas "Eu vi o Índio/Enrolando a pamonha/Fumando um cachimbo/Que fumaça sem vergonha". 
O sucesso de suas músicas nas interpretações de outras bandas não parece ter prejudicado o disco do Olodum rebentão (Olodum é o Deus supremo na teologia iorubana, e "rebentão", termo muito usado pelos blocos afros, é maconha com semente, da que estoura, e também tudo que desafia e se afirma). Ao contrário, os produtores, que se davam por satisfeitos se vendessem 30.000 discos, estão, eles mesmos, perplexos com a vendagem de 100.000 em dois meses, só na Bahia. 
De repente, por força do Olodum, o estigmatizado Pelourinho é descoberto por vasto segmento da população para o qual nele só havia prostitutas e marginais. E, chamado carinhosamente de Pelô, é citado em pelo menos metade das músicas baianas que tocam nas FMs de Salvador, inclusive com cenário de romance: "O Sol já se foi/A onda bateu/O sino dobrou/Um beijo de amor/No Pelourinho". Moraes Moreira, com seu parceiro Béu Machado (poeta e colunista baiano), vem de Melô do Pelô no disco Republica da Música. 
De forma que o bloco não exagera quando diz em uma de suas músicas: "Sou Olodum, deus dos deuses/Vulcão africano do Pelô". A verdade é que o Olodum explodiu mesmo como um vulcão no Carnaval e no movimento da negritude em Salvador. E o mais impressionante é que conseguiu isso quando desfilafa ainda com apenas cerca de 600 integrantes (houve um ano em que chegou a deixar de sair), enquanto os grandes blocos, como Muzenza e Ilê Aiyê, reuniam em torno de 4.000, cada um. 
Os blocos afros da Bahia são uma importantes escola de cantores cujo aspecto mais notável é o resgate do que foi também a raiz do blues - com o diálogo entre um cantor solista, que improvisa, e um coro que repete trechos fixos. dessa escola saiu Lazzo Matumbi, considerado por muitos dos que já o viram fazendo o Projeto Pixinguinha no Rio e em São Paulo o melhor cantor do Brasil no momento. 
No Carnaval passado, ele atraiu para vê-lo, acotovelando-se com a multidão na abartura dos festejos da Liberdade, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Haroldo de Campos, Antonio Risério, Wally Salomão e Elza Soares (impressionada com o movimento da negritude na Bahia, Elza alugou uma casa em Salvador para acompanhar tudo mais de perto). A contrapartida feminina de Lazzo é Margaret Meneses, uma cantora que faz muitos corações e mentes antes mesmo de ter gravado seu primeiro disco, como acontece também com a carioca Marisa Monte. 
A propósito de solistas e coros, conta-se que a única vez em que um destes últimos destoou foi quando o Muzenza saiu com o tema Mensageiro da Paz e do Amor, puxado por Barabadá, seu presidente e cantor de muita energia. Na hora de a massa responder com um refrão, com as palavras do tema, à pergunta do solista - "Diga agora, meu povo o que é que eu sou?"-, saía: "Maconheiro, ladrão, estuprador". Consta que, inicialmente irritado, Barabadá mandou que fosse mantido o refrão heterodoxo quando percebeu que este fazia sucesso junto à multidão, o exagero da moçada do Muzenza em relação ao passado agitado mas nem tanto de Barabadá fica por conta da irreverência dos baianos, que não pouparam nem seus ídolos. 


OVOS DE CRISTÓVÃO - 

Não se pense que as músicas afros da Bahia dominam as FMs de Salvador por uma simples questão de regionalismo. Existe uma motivação bem mais forte: elas dão ibope e lucro - observe-se que elas penetram em todo o Nordeste, Espírito Santo e Minas Gerais, mudando, inclusive, o comportamento da população jovem de estados como Sergipe. Mas era preciso que alguém ousasse demonstrar sua força. Isso coube ao radialista Cristovão Rodrigues, coordenador da Rádio Itapuã, a de maior audiência em Salvador, exatamente por causa da descoberta do poder catalisador da música afro. Erraria também quem pensasse que isso ocorre sem pressões de toda ordem com ranços de racismo, que ainda existe na Bahia, embora mais diluido que em qualquer outro lugar do Brasil. Que o diga Cristovão Rodrigues, destinatário de cartas e telefonemas culpando-o quando não o ameaçando, por tocar "essa música de negros". 
Além da explosão da música afro, causam ainda preocupação a alguns setores da elite branca as conquistas ds negros em outros setores, como na educação. O Núcleo Cultural Afro-Brasileiro já tem como certa a introdução no 1o e no 2o graus do ensino estadual de duas matérias destinadas a corrigir deformações causadas pelo eurocentrismo: Estudos Africanos e Pedagogia Interétnica. Nesta última, também os professores serão instruidos sobre a origem de expressões racistas do falar da população e de algumas músicas, como "bio da cara preta", "a coisa está preta", "negrinhagem" (patifaria) etc. O Núcleo afirma contar com o apoio da secretária da Educação, a também negra Mariaugusta Rocha. Ao mesmo tempo, aumentam as pressões das entidades negras para a implantação do ensino do iorubá-nagô nos estanelecimento de ensinos estaduais. 
É natural, pois, que a elite branca - uma minoria mínima - de Salvador seja atacada de vez em quando pela, ainda que diluida, sindrome do Haiti, palco de uma revolução negra que causou muito calafrio na época do império. Um candidato a deputado falou com um oficial militar do seu receio em relação à crescente força dos negros, e diz ter ouvidos este comentário: "Quando eles descerem, nós começamos a metralhar", 
Na verdade, o "descer aí é mera força de expressão negadas moralmente pela própria Igreja, como a agiotagem via bancos. Antes da chegada de dom Lucas Neves, dizia João Jorge, o responsável pelas relações públicas e um dos diretores do bloco afro Olodum: "Seja qual for a posição dele, o candomblé e os negros já estabeleceram seu espaço, que não é pequeno, na sociedade baiana, e isso é definitivo". 
Fortes cabos cabos eleitorais, os presidentes de blocos e outros grupamentos afros, assim como as mães-de-santo, sofrem constante assédio dos políticos. Foi a essa arma que o ministro Antonio Carlos Magalhães recorreu na tentativa de impedir a eleição de Mário Kertesz à Prefeitura de Salvador, ao lançar como seu candidato - àquela altura com o apoio dos senadores Luiz Viana Filho e Jutaí Magalhães - o professor negro e prefeito biônico uma vez, Edvaldo Brito. Se não deu certo - Edvaldo é tido entre intelectuais, jornalistas e consederável segmento do movimento negro como "negro de alma branca"-, pelo menos ele conseguiu reduzir a parcela de votos que as forças de esquerda detêm há décadas em Salvador de 1980 para cerca de 60%. 
Gerônimo não é negro -, comenta os rumores sobre uma possível radicação do movimento afro: "Eles não querem tomar o poder pela força, não. Todo esse movimento de resgate da cultura e do orgulho da raça negra é mais uma forma de saber de onde vieram, quem são seus antepassados. Isso evita a dilaceração e o esmagamento, mesmo numa cidade com um racismo morno como Salvador". Talvez a melhor forma para registrar o estrondoso sucesso dessa música de Gerônimo tenha sido a encontrada pelo artista gráfico Nildão, ao pintar numa parede do bairro do Rio Vermelho o homenzinho desbotado e de cabeleira empoada da Aveia Quaker também dizendo: "Eu sou Negão". 
SACRAMENTO NA JAMAICA - Outro importante detonador do movimento de resgate da cultura negra na Bahia foi a música política dos jamaicanos com Bob Marley, Peter Tosh e outros, que chegou a Salvador mais ou menos na mesma época do surgimento do Ilê Aiyê. Chegou e ficou, nas jubas do pessoal rasta (a religião jamaicana), na mudança do ritmo do Carnaval - um dos vários ritmos que os blocos afros levam em seus desfiles é o reggae marcado só com a bateria, uma especialidade do Olodum - e nas posturas políticas, sobretudo. 
Além de expoentes importantes, como Edson Gomes e Jorge Papapá, a influência jamaicana gerou dezenas de bandas de reggae que sobrevivem se apresentando na periferia de Salvador, em circuito alternativo, ou no Teatro Boa Vista. Mas talvez o personagem mais exêntrico surgindo com o reggae na Bahia seja um sargento negro da Policia Militar - é o que consta e nem tudo está perdido - cujo hobby é cobrir os muros de Salvador com frases como: "O brilho deste ano é Bob Marley com Ed Sacramento". Ou: "Não parcam show com Ed Sacramento". O show não pintou ainda, mas parece que os muros se esgotaram. Talvez por isso ele tenha resolvido fazer mais uma declaração de amor à terra de Piter Tosh escrevendo com as tais letras garrafais no Forte de São Marcelo, plantado no meio do mar: Ëd Sacramento vai à Jamaica". 
Com a aproximação do Carnaval, o jornalista negro Anisio Félix - por duas vezes presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia e ex-vice-presidente da Federação Nacional de Jornalista do Brasil -, outro para quem "não houve abolição, mas empulhação", prepara o lançamento, em grande estilo, de um livro com a história do bloco Filhos de Gandhi. 
Fonte: A.FINAL, 09/02/1988 
O OLODUM REALIZOU O DESFILE ONTEM 
O Bloco Afro Olodum foi fundado em 25 de abril de 1979, por um grupo de moradores do Pelourinho Maciel. Desfilou a primeira vez em 1980, com o tema "Olodum na Sexta-feira" que o diferenciou desde logo, pois nenhum outro bloco afro saia na sexta-feira, de Carnaval. A partir dai o Olodum criou a fama e se consagrou como Bloco Afro do Centro Histórico. Creceu. 
Criou raízes. Em 1981 trouxe o Rei de Oyo como tema. Em 1982, foi a vez da Guiné-Bissau. Em 1983, por motivos alheios à Diretoria O Olodum não pode ir às ruas. Mas os moradores e associados sentiram, pediram sua volta. E, o Olodum voltou, em 1984 com o tema Tanzânia e foi a volta triunfal, trazendo as aldeias comunitárias - Ujaamas - trazendo o trabalho comunitário. A partir dai o Olodum já não era somente o Bloco Afro, era também o Grupo Cultural Olodum, o inicio de um trabalho cultural durante o ano todo voltao para essa comunidade que o criou. 
Esse trabalho que transformou o Olodum no "Instrumento Cultural do Pelourinho"que em outras palavras significa o pólo dinamizador de cultura para a comunidade negra de Salvador. Esse pólo efetivou- se na criação do Cine Clube Olodum, no Jornal Olodum, no Grupo de dança na Banda Mirim, nos dois anos de Cursos Afro-Brasileiros realizados no Pelourinho nos eventos que foram e são promovidos pelo Olodum a exemplo da "Revolta dos Búzios". 
Fonte: Jornal da Bahia sábado 08/02/1986 

OLODUM AGITA BATERIA E EXIBE RITMO BRASILEIRO 
A caminho dos 10 anos de fundação, o bloco afro olodum, do Pelourinho, ganhou uma homenagem especial no domingo, "Brasileirum", uma mistura da batida tradicional do bloco com a inspiração musical da batida de Dodô & Osmar interrompeu o Frenesi no Farol da Barra, deixando um gosto bom de negritude nos foliões que lá estavam. Foi só no dia seguinte, às oito da noite, que o Farol recebeu e dançou co o próprio Olodum e não demorou para que a banda Reflex'us, estacionada pelo final de seu desfile, lançasse mais homenagens. Dessa vez, o Olodum estava ali e respondeu à altura: com muita música. 
"Núbia, Axum, Etiópia", tema do bloco, foi cantado por vozes famosas neste Carnaval, como Margareth Menezes e Leci Brandão, a convite do diretor João Jorge. A bateria nas mãos do mestre Neguinho do Samba foi à Barra com 60 integrantes. O bloco ia com cerca de 400 integrantes. 
Segundo Euzébio, com cinco anos de participação no bloco, já estão programados shows no Rio de Janeiro, em maoço. Algumas dificuldades entravam o desempenho do olodum, como a falta de recursos oficiais e até o veto ao "direito de arena", que assegura a divulgação do trabalho. Lazinho, que sofria com um mal de garganta e esse ano não puxou as músicas do Olodum na avenida, lançou críticas à Prefeitura de salvador: "Não é justo que os blocos afros como o olodum, o Ara Ketu, se degladiem por um prêmio ridículo, Gastamos o triplo para mal colocar o bloco na rua. Não competimos mais por migalhas" .
Problemas que não diminuiram a grandeza do Carnaval do bloco em 89. O país dos negros (Núbia), as rainhas candices (Axum) e a terra dos negros de cara queimada (Etiópia) encantaram o público na Barra, na Liberdade (segunda-feira) e no centro. Cento e vinte instrumentistas, três mil e quinhentos integrantes e um carro de som que já toca de igual para igual com qualquer trio elétrico, o Olodum se prepara com dianteira em relação aos outros afros. Para o pessoal da Reflexu's, o Olodum é a maior da Bahia. Para Lazinho, a melhor é a Chiclete com Banana. Reverência é necessária para tratar com o Ara Ketu. Então à competitividade é traço descartado. 
Quando na segunda-feira, reportagem da Tribuna da Bahia subiu no carro de som do Olodum, na Ladeira de São Bento, rumo à Castro Alves, já eram três da madrugada, mas o Olodum traçava o seu destino em meio a foliões extasiados. Cantava a mulher e a natureza. Assumia, ao invés de Cuba ou do protesto anti-apartheid, sua nova bandeira: a de ser uma entidade cosmopolita. 
Fonte: Tribuna da Bahia Data: 08/02/89 
Fonte: Olodum Uma Estrada da Paixão 1996. By Joao Jorge Santos Rodrigues. Livro Publicado pela Editora Olodum.


Quando no Egito... Gizé