quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“A África que os baianos imaginam é a de Tarzan" Revista Muito - Jornal a tarde dia 13 de novembro de 2011

“A África que os baianos imaginam é a de Tarzan”

postado por Tatiana Mendonça @ 10:20 AM
18 de novembro de 2011
Ronaldo Jacobina
Foto: Fernando Vivas | Ag. A TARDE
Nos últimos 32 anos, o baiano João Jorge Rodrigues, 55, sempre esteve no comando do Grupo Olodum. Ora como diretor cultural, ora como presidente, cargo que está ocupando pela quinta vez. Envolvido com a organização de vários eventos que serão realizados na Semana da Consciência Negra, que acontecerá até 20 de novembro, quando a data será comemorada, João Jorge ainda encontra tempo para pensar no seu projeto de estudo que lhe abrirá as portas da Universidade de New Orleans, nos Estados Unidos, onde pretende cursar o doutorado. Militante da questão da igualdade racial, advogado, mestre em direito público, ele se queixa da falta de reconhecimento da Bahia pelo trabalho de divulgação do Estado pelo mundo através do Olodum. Apesar da luta que trava na defesa da população afrodescendente, admite que o movimento ainda está preso à África dos tempos ancestrais e que é preciso avançar e se conectar com a contemporaneidade. À frente do Olodum, orgulha-se da marca de 5,5 milhões de discos vendidos e critica as atuais letras do pagode que desqualificam as mulheres. Sua meta principal agora é reconquistar a Bahia.
Você defende que o discurso do racismo ficou velho e que a luta hoje é pela igualdade racial. Que conquistas considera importantes nesta questão da igualdade?
As oportunidades de termos uma formação completa, de emprego, salários decentes, casas para morar, segurança. É uma série de itens que promove a igualdade racial. Não estou dizendo que o racismo acabou, não seria ingênuo de afirmar isso, mas que as condições do Brasil e de outros países se renderam a um ambiente muito mais favorável à luta contra o racismo. Agora é preciso avançar na igualdade.
O tempo que você viveu nos Estados Unidos ajudou nesse seu ativismo?
Tem a ver com as muitas viagens que fiz pelo mundo. Sempre que saía daqui ficava comparando as coisas. Vejo os grandes debates do mundo contemporâneo e percebo a ausência disso na Bahia, estamos muito centrados em nós mesmos.
O preconceito racial na Bahia é velado?
É extremamente forte, é velado. Em tese, todos dizem que aqui é a terra da felicidade, da alegria, e escondem esse preconceito, tornando-o uma coisa subalterna para não incomodar o poder instituído que está aí. E a pretensão ideológica de todo governo da Bahia, desde que nasci, é a de que aqui não temos racismo. Ora, se existem muitos negros e estes não estão em posição de destaque, tem racismo. Se há muitos negros nas prisões, se morrem dezenas de negros todo final de semana, tem racismo. Há um preconceito forte, estruturado, que vem da colônia, do império, se ampliou na república e está nas instituições em geral.
Qual o papel do Olodum na posição que os negros ocupam hoje na Bahia?
Primeiro, o de conscientização. Sobre o Pelourinho, a comunidade, a moradia, a violência, a oportunidade. Nos 37 países que visitamos com o Olodum, levamos muitas pessoas para ver o mundo. Abrimos os intercâmbios internacionais a pessoas que não tinham oportunidade e realizamos a luta que tínhamos que realizar. Cometemos erros, às vezes nos afastamos do caminho, mas continuamos na direção.
O grupo Olodum foi criado há 32 anos com a bandeira de oposição ao sistema vigente. Qual a posição de vocês com relação à política feita na Bahia hoje?
Fomos criados para promover o Carnaval, combater o racismo e promover o bem-estar da comunidade afro-brasileira. Isso ainda no período da ditadura militar, quando a Bahia era comandada por um grupo político que estava há tempos no poder. E nós discordamos disso porque éramos vítimas desses dois sistemas. Com o atual governo, temos relações independentes e fazemos as críticas nas áreas que entendemos que não estão indo bem.
O que o levou a tentar uma candidatura ao Senado pelo PV em 2010 e o que inviabilizou sua candidatura?
Nós não tivemos ainda nenhum senador negro na Bahia, e eu entendi ser interessante ter uma participação ativa na política, não por um mandato diferente, mas por um mandato onde havia duas vagas. Estava num pequeno partido que tinha condições de disputar as duas, mas as elites do PV saíram com um único candidato, com medo do que essa presença política cultural nova ganhasse a eleição.
Como você está vendo a condução da política cultural na Bahia ?
O governo Wagner teve muitos problemas com a área cultural na primeira gestão, reconheceu isso de tal forma que trocou o secretário Márcio Meirelles por Albino Rubim. Essa troca de gestor foi fundamental. O atual secretário tem um diálogo mais amplo com a comunidade cultural. Mas é preciso dar um salto de qualidade na cultura. Não podemos nos pautar pelo passado, é preciso se antenar com o contemporâneo.
Qual a relação do Olodum com o poder?
Às vezes de estar contra, outras de convivência e, muitas vezes, de estranhamento. Não queremos privilégios, mas o mesmo apoio que todos recebem. Queremos o reconhecimento do que a gente fez e faz pela Bahia. Ajudamos a Bahia internacionalmente. Com Michael Jackson, com Paul Simon, a Bahia foi divulgada no mundo inteiro.
Como vê a situação do Pelourinho hoje?
O Olodum não vai sair do Pelourinho e tende a ampliar a presença aqui. Temos a nossa escola com mais de 360 alunos, 99% das atividades são aqui. A situação agora é de transição. Temos uma política bacana do atual secretário da Cultura de tornar o Pelourinho um bairro da diversidade. É uma área emblemática de Salvador, da Bahia e do Brasil e não merece essa desconstrução.
O que pode ser feito para melhorar?
É preciso manter a força da cultura popular aqui. Houve uma tentativa de fazer daqui um palco de atrações que não cabiam. Retiraram tudo e não colocaram nada no lugar. O baiano, os políticos, os empresários precisam frequentar o Pelourinho.
Você diz que Salvador está isolada do mundo. O que está acontecendo?
A Bahia perdeu muito da sua capacidade criativa e inovadora nas áreas da literatura, teatro, música, artes visuais, lazer e do entretenimento. Quando se perde essa capacidade de fazer coisas novas em todas essas áreas, você passa a viver do antigo, não que este seja ruim, mas não se estabelece ponte com o presente e com o futuro. A Bahia precisa inovar. O teatro feito hoje é o mesmo dos anos 1980. Na música, ainda estamos na última invenção, que foi o samba-reggae. Nada de novo de lá para cá. A Bahia estagnou. Mais, estamos voltando para trás.
Por que essa estagnação?
Acho que há uma questão também da inteligência baiana. Repare, no campo do movimento negro. Quando eu digo que a gente tem que, além de combater o racismo, falar de igualdade, há quem diga que não quer parar de falar de racismo. Ora, precisamos parar de falar só isso. É preciso dar um passo adiante, ver as mudanças. A atualidade da África hoje é impressionante.
Emanoel Araújo diz que a Bahia criou uma África que só existe aqui.
A África que os baianos imaginam é a de Tarzan. Mesmo as organizações negras têm dificuldade de lidar com isso. O fato de Mandela ter sido presidente na África do Sul, ter deixado o governo, ter tido outros governantes, não impactou a Bahia. A Bahia continua pensando em Shaka, o rei dos zulus, no sisal, em gente dançando de peitos de fora. Precisamos nos conectar com a África de hoje.

Isso atrasa a luta pela igualdade?
Atrasa, atrasa o movimento negro e dá uma concepção errada do que é a realidade. Por exemplo, aqui vestimos roupas ocidentais, mas há quem use roupas africanas, quando nem todos os africanos vestem as roupas da “baiana”. A maioria lá se veste com roupa ocidental. Quando vamos à África, temos um choque, porque não é a mesma que imaginamos aqui. Os países deram um impulso para a atualidade. A Bahia, o movimento negro, todos nós precisamos de um choque de 2011.
A banda Olodum tornou-se, segundo você, uma embaixada, não oficial, da Bahia no mundo. Ainda é assim?
O grande embaixador cultural do Brasil chama-se Olodum. Essas cores, esse símbolo, quando aparecem em qualquer lugar do mundo, é associado à Bahia.
Como você avalia a perda de espaço do samba-reggae para o pagode?
Travamos todo tempo uma guerra contra produtoras, contra um modelo de pensamento. O samba-reggae é uma música político-ideológica da comunidade negra, pulsante e dinâmica. Ora, ela não atendia aos esquemas da indústria de entretenimento. Então, aqui na Bahia, esse espaço foi diminuído, substituído por algo terrível, que não é o pagode em si, mas as coisas que não são boas dentro do pagode. Então, o fato de não terem esse controle sobre o nosso produto levou a isso.
O Olodum se afastou dos baianos?
O grupo Olodum é uma das maiores organizações brasileiras, conhecida internacionalmente, e ilustremente desconhecida na Bahia. Os baianos passaram a ver o Olodum como algo intangível, uma marca que é nossa, mas que eu não pego, não vejo, não ouço, e isso, principalmente, no interior. Acham que não podem contratar o Olodum para São João, micareta, shows, porque é caro.
Essa imagem não foi criada por vocês?
Não. Criou-se um mito. Agora vamos andar pelos bairros populares, pelo interior, para tirar o estigma.
Afinal, o que motivou a ruptura de Neguinho do Samba com o Olodum?
Neguinho do Samba criou a Didá enquanto ainda estava no Olodum. Todos os artistas que passam pelo grupo podem ter projetos paralelos Nossa intenção não é prendê-los. Não houve uma ruptura no sentido trágico, mas de alguém que queria construir uma outra coisa. Sempre tivemos uma relação fraterna.
O Bando de Teatro Olodum ganhou projeção nacional. Ó Paí Ó virou filme e minissérie, mostrando uma Bahia folclórica. Como você viu essas adaptações?
As duas versões têm várias distorções, que repetem essa Bahia feliz, esse linguajar. Foi interessante porque levou a Bahia para as telas. Há excesso de palavrões, mas não pudemos interferir porque demos total autonomia ao grupo de fazer um espaço para atores negros fantástico.
Qual a vinculação do bando e de Márcio Meirelles com o grupo Olodum?
O bando ficou como uma construção individual de Márcio. Ele trabalhou nesse sentido, não interferimos porque o que queríamos era a construção de atores negros para estarem na televisão, teatro e cinema.

O verão Olodum 2012. Veja o video de divulgação Dia 29 de nov

http://youtu.be/q_e5JzeVwww

Verão Olodum 2012

Dia 29 de novembro 20h.

Largo Tereza Batista

www.olodum.com.br

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Afro XXI reúne lideranças de diversos países na capital baiana


Afro XXI reúne lideranças de diversos países na capital baiana

Encontro discute realidade da população negra em vários países.
Inscrições podem ser feitas até domingo (13), pela internet.

Do G1 BA
Comente agora
A realidade da população negra de vários países vai estar em discussão no Encontro Ibero-americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes (Afro XXI), que será realizado entre os dias 16 e 19 deste mês, no Centro de Convenções, em Salvador.
Os interessados em participar do encontro têm até o próximo domingo (13) para se inscrever. As inscrições estão sendo feitas no site do evento.
O encontro é uma parceria da Secretaria Geral Ibero-americana (Segib) com o governo brasileiro, através da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Lideranças
Diversos líderes da sociedade civil, de governos e parlamentares de países ibero-americanos e africanos participam do encontro com o objetivo de propor novas ações que assegurem os direitos dos povos afetados pelo racismo, a partir das reflexões que serão feitas no evento.
O Afro XXI também faz parte da comemoração dos dez anos da Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, que foi realizada em Durban, na África do Sul. O evento impulsionou o desenvolvimento de políticas públicas na área, inclusive no Brasil, onde foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Várias queixas de você - Uma nova música do Olodum 2011

http://youtu.be/J1HWIhuX7-0  Veja o video no You Tube.

Narcizinho canta.

Ensaio do Bloco Olodum

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Salvador a maior população negra do Brasil. 2011.

O  Mapa da População Preta & Parda no Brasil,  divulgado nesta segunda-feira (14), trouxe um novo dado sobre a realidade dos municípios brasileiros: 56,8% dos domicílios possuem maioria de pretos e pardos.
Quando se considera apenas a quantidade de negros, a capital baiana lidera o ranking com 743,7 mil, seguida de São Paulo (736 mil) e do Rio (724 mil).  Cunhataí, em Santa Catarina, foi a única cidade sem a presença de pessoas que se declararam pretas.
De acordo com o estudo, realizado pelo Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), houve um crescimento de 7,6 pontos percentuais entre 2000 e 2010.

São Paulo é a cidade com maior número de pretos e pardos em todo o país, com cerca de 4,2 milhões, seguido do Rio de Janeiro (cerca de 3 milhões) e Salvador (cerca de 2,7 milhões).

Em 1.021 cidades (18,3% do total), pretos e pardos eram mais de 75% da população. No Norte e no Nordeste, respectivamente, 97,1% e 96,1% dos municípios eram formados por maioria preta e parda. No Centro-Oeste, esse percentual chegava a 75,5%, no Sudeste, a 37,1% e, no Sul, a apenas 2,3%. O percentual de pessoas que se declararam pretas passou de 6,2% para 7,6% em uma década. O aumento foi maior entre as que se declararam pardas, de 38,5% para 43,1% no mesmo período.

Em 2010, aproximadamente 91 milhões de pessoas se classificaram como brancas, 15 milhões como pretas, 82 milhões como pardas, 2 milhões como amarelas e 817 mil como indígenas.
“Esses dados demonstram não só uma mudança demográfica, mas também política, social e cultural, porque expressa uma nova forma de visibilidade da população negra brasileira ao estimular que as pessoas assumam sua cor de pele de uma maneira mais aberta", declarou o coordenador da pesquisa, Marcelo Paixão.

*Com Informações da Agência Brasil

Memória Política - Eleições 2010. Campanha para o Senado pelo PV.

Negros continuam a enfrentar desafios com a cabeça erguida


Quando resolvi filiar-me ao Partido Verde fiz uma vasta pesquisa no site oficial do partido (http://www.pv.org.br/) a respeito do estatuto e dos princípios norteadores deste partido sobre os quais transcrevo brevemente: “O PV é um instrumento da ecologia política.

Sua existência não é um fim em si mesmo e só faz sentido na medida em que sirva para fazer avançar suas idéias e programa na sociedade, transformando concretamente a realidade.

O PV se propõe a desenvolver uma estratégia conjunta e uma ação coordenada em favor do desarmamento, da desnuclearização, do ecodesenvolvimento, da solução negociada dos conflitos e do respeito às liberdades democráticas, justiça social e direitos humanos em todos os países do mundo.

Sou um homem que luta pelos direitos humanos desde a década de 70 quando entrei para o movimento negro, dediquei minha vida a luta contra o racismo e a promoção da igualdade e da diversidade, meus princípios são os mesmos que li no site oficial do PV e em seu estatuto.

Fiquei deslumbrado, embevecido. Sentir-me em uma família que acolhe a diversidade, as minorias, a igualdade, a fraternidade. Ousei em querer candidatar-me ao Senado a fim de representar a população baiana da qual a maioria tem as mesmas raízes que a minha.

Não poderei candidatar-me ao Senado, no momento, visto que o partido assim decidiu; resolvi como homem público, explicar ao meu povo que terei de adiar o sonho de representá-los no Senado Federal, dizer que no momento não será possível, mas nós podemos sim votar e ser votado este é um direito que dispomos e devemos faze-lo para quem é solidário a nossa luta, a nossa causa.

Vivemos em um país democrático mais às vezes temos de adiar nossos objetivos, compreender que o momento é de esperar, sonhar e agir .

Os Negros no Brasil já enfrentaram grandes desafios e continuam a enfrentá-los de cabeça erguida como bem disse alguns membros do PV não há espaço mais para discriminações indiretas.

Quero que o meu povo saiba que, ao filiar-me no PV da Bahia, me sudordinei ao seu estatuto, à direção estadual deste partido que no momento tem outras prioridades que não a igualdade racial e a diversidade humana e cabe a nós a compreensão de que se o PV não me deu a oportunidade de representá-lo temos de respeitar.

Sou um homem do Direito, respeito às leis, os estatutos e respeitarei a vontade do PV e peço-lhes que compreendam este momento como uma oportunidade de aprendizado, uma oportunidade que nos deu a certeza de que Nós podemos!

Nós queremos e nós seremos o que quisermos, pois temos a força das nossas raízes e com ela aprendemos a lutar e nunca desistir. Nossa luta é uma questão de justiça, de oportunidades, de igualdade e que teve seu ponto forte em 1798, com a Revolta dos Búzios, vai continuar para além desta eleição de 2010.

Hoje me licencio do partido para continuar minhas atividades publicas em favor da minha gente e da luta por igualdade, sou um homem do povo da Bahia e junto com eles continuarei a lutar, vou representá-los como e onde for possível.

A luta continua." Há de chegar o tempo em que todos seremos iguais, todos seremos irmãos, " 1798.

*João Jorge Santos Rodrigues.
Presidente do Olodum, militante do movimento social negro, advogado, mestre em Direito Público, Fellow da Ashoka, membro do Advocacy for social Justice.

domingo, 6 de novembro de 2011

Livro Olodum Estrada da Paixão 1996 - Entrevista : A PRIMEIRA CONVERSA COM JOÃO JORGE NA SEDE DO OLODUM.

SALVADOR, 07 DE NOVEMBRO DE 1994.
A PRIMEIRA CONVERSA COM JOÃO JORGE NA SEDE DO OLODUM.
J.- João Jorge, eu gostaria de saber como é que você define movimento negro, o que  é isso para você?
J.J.- O movimento negro é conjunto de pessoas e instituições que lutam contra o racismo e pela promoção desenvolvimento da comunidade afro-brasileira, no caso específico do brasil.
J.- E a sua participação, ela se dá desde quando exatamente?
J.J.- No sentido prático, ela começa a partir de 1979, mas no sentido teórico, ela  vem desde quando eu me entendo como negro e entendia e via uma sociedade diferenciada, as pessoas eram distinguidas pala cor da pele, pelo cabelo, pelo sexo, pela religião, pela origem étnica, então, bastante anterior. mas, isso é um processo de conscientização que toda pessoa passa, alguns reagem a esse processo e outros mergulham num estado mental que é mais conhecido como alienação.  
J.- E como foi essa inserção no movimento organizado em 79?
J.J.- Eu trabalhava no polo petroquímico de Camaçari e me interessei por participar do movimento negro unificado, ao mesmo tempo em que comecei a fazer parte do IIê Aiyê,eu era originalmente do Apache do Tororó no sentido de conciliar, de juntar a parte política e a parte cultural. então, um começo até confuso, porque era uma época em que estes dois setores da militância não se juntava muito, um fazia uma coisa, o outro fazia outra. na época, por exemplo, dentro do Ilê Aiyê havia muita crítica ao Mnu e dentro do Mnu havia muita crítica ao Ilê Aiyê e isso com o tempo foi se superando, foi chegando a novos padrões, a novos parâmetros.
J.- O que me interessa muito e essa divisão entre o cultural e o político, isso tanto nos anos 70 como hoje, como é que você vê esses limites aí?
J.J.- Essa divisão do cultural e do político foi promovida, principalmente, pela forma como o brasil foi colonizado, pela forma como o brasil fez a independência e pela forma com que nós chegamos a república. parte da idéia do colonialismo português separa a cultura de um povo de sua vontade política de auto-determinação, numa série de coisas; esse mesmo padrão foi usado para as colônias portuguesas, para favorecer exatamente um sistema de dominação e que tem como principal conseqüência a perda de identidade,a perda da consciência e de valores diferentes. 
Ora, o negro brasileiro sempre foi um agente político, cultural, desde o quilombo dos Palmares que o negro brasileiro tem tido a iniciativa de fazer proposições para a sociedade brasileira e sempre o fez juntando a identidade cultural com a ação política. os quilombos eram exemplo disso, as revoltas dos escravos, a participação do negro na luta pela independência da Bahia, a participação do negro na guerra do Paraguai, na República, a participação do negro como trabalhador nas fábricas. só que alguns setores do próprio movimento e também da esquerda em geral, passaram a dar um recorte europeu nisso.
Tipo o seguinte: política é uma coisa e cultura é outra coisa, a tal ponto que muitos de nós absorvemos de que era incompatível política, no sentido   politicamente correto, com cultura. é nos anos 70 justamente que começa a abrandar um pouco essa visão excessivamente europeizada de que cultura é uma coisa que não presta, é só lazer, é só arte, não leva a nada, não rompe com os padrões da sociedade e que por isso que era assim a via única para fazer as coisas. 
Hoje já, por exemplo, há muitos setores da sociedade não vêem a cultura e política como coisas distintas, ao contrário, vêem como síntese de um novo pensamento de uma nova forma de fazer; o Olodum é uma boa referência disso, o Olodum é um grupo político-cultural, se expressa politicamente, mas faz acima de tudo atividades dentro do ambiente cultural e isso foi uma forma interessante, nova e criativa de se chegar a milhares de pessoas no país inteiro, passar a idéia de um grupo, mandar a mensagem, de conscientizar as pessoas de coisas, mesmo que a cidade não tenha mudado como nós gostaríamos. mas, de qualquer forma as nossas idéias, o simbolismo que nós demos às cores que usamos, a geração de uma idéia relacionada com som; hoje onde você escuta a palavra Olodum, você se lembra automaticamente do som do Olodum e se lembra da idéia de negros fazendo coisas. quer dizer, criamos uma imagem positiva da comunidade negra que nos últimos anos não existia; existia muito choro, muita lamentação e o Olodum se constituiu com uma imagem de que o negro pode fazer coisas, pode se organizar, pode criar passos, pode criar gestos.
J.- E essa participação nos anos 70, já que existia essa diferença em militar no MNU e no Ilê Aiyê, você pode fazer um resumo de como era essa distinção de algo que era dito como político e algo como cultural?
J.J.- Era uma coisa até simples, no ilê aiyê que era um bloco também de carnaval eu participava e atuava no sentido de sair no carnaval. por exemplo, eu comecei a trabalhar no ilê, a desenvolver e, os temas de carnavais, como o Zimbabuê, por exemplo, Mali, Gana temas que participaram ativamente da pesquisa, na elaboração de apostilas, na distribuição do material com os compositores já no Mnu, participei da criação do jornal negro que hoje é um jornal nacional, da captação de recursos para aquilo ali e ao mesmo tempo tive uma tarefa de tornar o Mnu mais palatável, mais aceitável entre a esquerda baiana, entre até mesmo os blocos-afros. eu junto com Bujão, com Gilberto Leal somos as primeiras pessoas a colocar o Mnu em contato com os blocos-afros e diminuir a distância entre o militante do M.n.u com os blocos-afros. 
Eu fazia um pouco um papel, na época duramente criticado, que era de tentar aproximar negros de negros, quer dizer, tinha negros que pensavam em fazer política, mas apenas num salão com discurso super-bonito, mas que de forma alguma pisava no meio onde está a negrada, ou ia lá. por outro lado também tinha negro na atividade cultural, que tinham uma visão extremamente deformada da política, do negro na política, de como isso podia render alguma coisa, da própria comunidade negra. então, foi mesmo que ser um elo, no primeiro momento até quando foi possível, quando não foi possível eu saí e terminei vindo para o Olodum, onde foi possível materializar essas idéias, esse som.
J.- E Hoje você ainda vê essa diferença no movimento como um todo?
J.J.- Anda existe muito porque essa diferença está muito ligada à formação, mesmo no olodum que é um grupo político-cultural há pessoas que gostam mais de fazer atividades culturais do que atividades políticas e vice-versa, porque aí também tem a vocação de cada um, tem o perfil do que cada um tem da vida e tem também    as pessoas tem mais tecnologia. por exemplo, há gente aqui que tem tecnologia para o carnaval, que tem tecnologia para o show, para a administração, para o discurso político conectado com a ação cultural. e esses vários saber, esses vários fazer é que vão fazer com que agente chegue em algum lugar. nos dias hoje eu acho até que é mais fácil, porque a grande maioria das entidades do m.n. que se dizem político-cultural, as entidades que no ano passado não faziam nenhum trabalho político começaram a fazer como hoje em dia o ilê aiyê tem uma escola, o ilê começa a participar mais ativamente das coisas do Mnu, o próprio muzenza, araketu.
Todos querem fazer alguma coisa politicamente porque o olodum criou para fora o modelo. um modelo que não basta só ser no carnaval, tem que ter um trabalho com crianças, com adolescentes, com adultos, com a sua comunidade, na luta contra a violência. então, esse modelo Olodum que deu certo a nível de mídia, a nível de impacto passou a ser uma referência, as pessoas não estão nem fazendo porque estão talvez conscientes, mas estão fazendo porque é um caminho que tem para um grupo negro ser grupo negro e no carnaval dizer- eu sou negro, eu sou mais isso e aquilo. e durante o ano inteiro não existia   politicamente não fazia nada. então, o modelo que nós criamos está começando a servir de referência positiva para várias pessoas, várias organizações.
J.- Eu, por exemplo, já ouvi aquela expressão do Olodum a negritude nos anos 90. o que você teria de parâmetros de comparação da negritude dos anos 70 que você viveu e hoje essa nova geração negritude dos anos 90?
J.J.- A  negritude dos anos 70,80 era mais denunciativa, ela era a negritude do reclamar, do dizer: -olha, eu sou contra isso, não gosto, estou sofrendo por isso, etc. a negritude dos anos 90 é uma negritude finalizadora, ela mistura competência, a capacidade de agir, de intervir na sociedade, de apresentar um projeto, um programa para essa cidade e ao mesmo é uma negritude capaz de ampliar seus horizontes. o que pode definir muito bem essa negritude dos anos 90 do Olodum é a agressividade com que o Olodum conquista coisas. o que nós fazemos pode ser feito por qualquer comunidade negra, o que nós realizamos pode ser realizado por qualquer grupo negro; só que tem que trabalhar, tem que ter competência e tem que ter uma visão empreendedora. isso para nós é profundamente importante, para qualquer grupo que queira fazer o que nós fizemos, o que nós estamos fazendo. e esse tipo de provocação, dizer -a negritude dos anos 90- é para que as pessoas reflitam que a consciência negra na Bahia e no Brasil não pode mais ficar presa apenas à questão da cor da pele, do cabelo, do sexo, da aparência externa, sem ter um efeito de consciência profunda que transforme. se nós pegarmos a história do Maciel, Pelourinho nos últimos 15 anos, pegarmos a história dos blocos-afros, a história do M.n.u e compararmos com o que o Olodum fez, nós veremos que houve uma transformação na realidade de todos os segmentos. transformação essa que se foi boa ou ruim, a história é que vai julgar, mas houve um impulso violento para que o negro passasse a ser visto como cidadão, como um agente e não mais como um objeto de análise e ao mesmo tempo como interlocutor folclórico. 
E  o Olodum é ponta de lança disso, justamente por ser uma negritude moderna, contemporânea, pós-futurológica,   uma negritude com parabólica, informática e tudo ao mesmo tempo com o pé no candomblé, com o pé na capoeira, nos quilombos, sem ficar apenas tendo isso como referências de coisas boas para o negro, mas sem se desenvolver. e quando nós falamos disso é o seguinte: o negro da Bahia, o negro do brasil quer se desenvolver ou quer ficar na sarjeta? se quer ficar na sarjeta, então nós vamos reclamar a vida inteira. agora, se nós queremos nos desenvolver nós vamos ter que fazer como os afro-americanos fizeram: ir à luta.
Ninguém pode imaginar que o presidente da África do sul seria apenas um cara que sabe fazer arte marcial negra, tem que ser o presidente de uma nação e se nós negros queremos ser presidente da nação brasileira, queremos ser governador do estado da Bahia, prefeito da cidade de salvador, ministro, nós temos que nos capacitar para isso. não podemos passar a vida inteira reclamando de a, b, c; nós somos maioria e além de sermos maioria, nós temos instrumentos para fazer isso, então, nós temos que brigar, materializar e chegar lá. a negritude dos anos 90 ela vai fazer isso, ela vai sedimentar uma discussão cultural, uma discussão religiosa, política, estética dos anos 70 e 80 e vai fazer coisas concretas porque hoje nós somos cobrados por toda a comunidade negra e não negra. -e aí? o que é que vocês vão fazer? pra onde é que vocês vão? antes por exemplo, um grupo como o mnu não podia se queixar da sociedade e hoje você vê: -mas, e vocês estão fazendo o quê? antes o grupo do ilê dizia: -ah, nós os criamos o ilê porque não sai negros no carnaval e tal -mas, e vocês estão fazendo o quê? então, à medida em que os blocos não tiverem respostas para isso, eles vão sumir, vão deixar de ser grupos, porque os grupos se reúnem em dentro da sociedade em função do elo de ligação entre as pessoas, time de futebol, time de basquetebol, a igreja, a universidade, o trabalho, as pessoas se reúnem em torno de um eixo social. o elo social da comunidade negra é lutar por um mundo melhor. imagina o Olodum passar 30 anos denunciando as coisas ruim e depois alguém dizer: -ah, 30 anos, já estou com cabelo branco, vou sair daqui. o Olodum precisa apresentar saldo para estas pessoas, resultado para estas pessoas, porque elas brigaram, pleitearam por muitas coisas e chegaram a algum lugar.
Um exemplo prático aconteceu agora com a morte de um músico do olodum joselito Alves Barbosa , nós não podemos devolver a vida para ele, mas em uma semana nós fizemos uma mobilização de tal forma que resultou na prisão efetiva dos criminosos. nós não tivemos medo de levar várias pessoas e sentar em frente a secretaria de segurança pública; nós não tivemos medo de articular uma rede de solidariedade nacional e internacional para pressionar o governador e o secretário para tomar providência; nós não tivemos medo nem de discutir com a polícia de que estava errado agir contra o rapaz e muitas entidades dentro do movimento, com exceção aquelas que apoiaram, se esconderam com medo. ora, para que é o movimento senão para lutar pela vida, pela melhor qualidade de vida das pessoas. então, a família do rapaz soube que ela não estava sozinha, o tempo inteiro ela estava com o Olodum, que a negritude dos anos 90 não ia deixá-los só, acéfalos e sem poder resolver suas coisas e mais: todos que nos acompanham souberam, tiveram a noção que tanto faz um diretor, como um músico, não importa, nós defendemos a vida.
J.- Uma coisa que me deixa curiosa também é em relação ao tipo de luta; .quando você vê a necessidade de uma polaridade de luta negra e quando você vê a possibilidade de uma pluralidade como você falou a pouco?
J.J.- Não há mais, nesse final de século, nenhuma condição de luta negra, não há nenhum Haiti, nem Ruanda, nem África do sul, nem Estados unidos. o que há hoje é luta de vários setores para acabar com o racismo; se o negro brasileiro tiver esperando que haver uma polaridade, negros lutando, ele está perdido. primeiro, há muita inconsciência da própria comunidade negra, nós somos profundamente miscigenados e mais: existe hoje muitas pessoas da comunidade negra junto com o poder que nos oprime; então, contra que  se lutaria? ora, é muito mais fácil juntar negros, mestiços, brancos, pobres, mulheres, índios, homossexuais para lutar contra o racismo, contra o machismo, contra a escravidão mental,  contra a exploração, do que lutar setorialmente. ora, em Los Angeles três policiais espancaram um negro, foi filmado, passou na televisão e no dia do julgamento os policiais foram absolvidos, resultado: a comunidade negra reagiu e houve um novo julgamento com indenização do estado para esse cidadão. 
Na Bahia nós tivemos esse assassinato de uma pessoa negra e a maior população negra de uma cidade da América latina não reagiu a isso, fora o Olodum, um silêncio absoluto. então, quando é que vai haver polaridade? se todos os dias estamos matando e as pessoas não reagem; se nós estamos nas piores escolas, nas piores condições de saúde. então, tem que juntar todos os setores contra a exploração e isso é tão importante que o único resultado que houve agora nos últimos anos uma luta negra desse tipo, foi na África do sul, onde justamente a organização que estava à frente desta luta é uma organização formada por negros, mestiços, indianos, brancos e lutam contra o racismo de uma forma plural. fora disso, você não vê nenhum lugar no mundo onde há opressão, onde há negros, brancos, se chegando a algum resultado que seja por esse caminho; porque não há outro caminho e todos os países africanos que fizeram experiência ao contrário, perderam teto, perderam desenvolvimento e distribuíram miséria, é o caso de Moçambique, o caso até de angola, hoje da Guiné Bissau, Cabo verde; são experiências que a gente tem que refletir sobre elas. o caso da África do Sul com todos os problemas que tem, a transição foi montada de forma tal a não penalizar o povo, de não fazer com que a população tenha um socialismo de pobreza que é o que mais, às vezes de uma forma romântica, asa pessoas conclamam. 
As pessoas no brasil adoram favela, porque favela é pobreza, é miséria, as pessoas acham ótimo que todo mundo more em favela. eu detesto favela, eu não gosto de pobreza, não gosto de miséria porque acho que a gente não deve fazer política em cima do fato de ter favela, ter alagados; isso é uma visão, inclusive, muito mesquinha. então se diz : -não acaba alagados porque eu vou  sempre falar que o governo não faz nada porque tem alagados. 
Ora, o que mais aquela população precisa é de ter casas para morar , com ruas para poder transitar, com água, com sanitário. eu quero mais é que alagados como tal deixe de existir. teve tempo que eu dizia -olha, viu como a Bahia é. e tem gente que se apega a isso, diz até assim : -não, é uma vida natural. alagados não é uma vida natural, a pobreza da favela do rio, não é vida natural, até porque nós viemos de um continente rico, civilizações esplendorosas e fomos jogados para esse tipo de vida, entende? 
Parece que nós esquecemos que o afro-brasileiro não tem apenas quatro séculos de história, tem milhares de anos de história e que não pode ser computado como se anos de escravidão fosse o símbolo do que nós somos. por exemplo, as pessoas gostam de andar mal vestidas na Bahia e no brasil como símbolo de ser negro, basta ir na África que vai ver que na pobreza africana as pessoas andam bem vestidas; nós somos a cultura da ostentação, de uma cultura de estar bem consigo mesmo. as pessoas interpretaram que devido à escravidão o negro era obrigado a fazer poucas roupas, roupas das piores qualidades, que isso é congênito; isso diz respeito a nós - nem a nós nem a outra raça. só aqueles que não têm condição material, por impossibilidade de ter, que consegue viver na miséria,
Mas nós temos que lutar para ter casa, para ter saúde, para ter boas roupas, para ter tudo, porque é isso que nós queremos para dividir. a distribuição de riqueza, antes se trata de mudança de conceitos, porque não é fácil ser  porque aí você tem que romper com os mecanismos brutais da tradição. há algum tempo atrás os afoxés da Bahia não usavam carro de som, saíram com os atabaques e na voz; os afoxés cresceram e com a sua dimensão enorme, continuaram assim. aí vem os trios, botam carros de som. onde há a tradição de que era para usar carro de som? quando essa organização foi criada não havia nenhuma regra na cultura afro que dissesse: - não pode usar auto-falante, microfone. onde isso tira a originalidade? Bob Marley deixou de ser original por usar guitarra elétrica? pelo contrário, incendiou o mundo com suas mensagens, com sua capacidade de provocar conscientização. 
Porque nós normalmente tratamos dos adornos como se o adorno fosse principal; principal não é o adorno ou o instrumento, o aparelho, a cadeira que eu sento,não é o que eu sou - são complementos da ação do homem. então, na medida em que você se libera    muito disso, você vai atingindo patamares de fazer com que a negritude brasileira seja contemporânea, capaz de intervir, de dar soluções, de apresentar propostas, e mais: capaz de usar de todos os mecanismos possíveis para fazer com que a luta negra avance.porque se não fosse assim nenhum de nós deveria pegar um avião, deveríamos andar correndo como se andava na selva africana. alguns de nós imaginaria Nelson Mandela vindo na Bahia correndo? ora, nós não podemos ser mais africanos do que Nelson Mandela; nós não podemos ser mais seus nacionalistas do que os líderes africanos que deram sua vida por essa rebelião. então, nós temos que ser  afro brasileiros com consciência social.
 Oo mundo inteiro teve nesses anos uma luta negra consciente, o brasil não está longe disso e não depende só dos brancos brasileiros, da sociedade brasileira, depende de nós; dos milhões de mudos negros brasileiros passarem a falar e dos milhões de surdos negros passarem a escutar. simples, ninguém pode fazer nada pela gente aqui dentro se nós não quisermos fazer. o papel do Olodum tem sido esse: mostrar que uma negritude nessa década pode fazer coisas. como pode? efetivamente atuando, se movimentando, fazendo uma rede de solidariedade em torno da luta contra o racismo.
Colocando abertamente nossas idéias sem ter medo de que elas sejam vistas como erradas. nós somos muito criticados pela participação de pessoas que não são negras no olodum, nós somos muito criticados pela visão moderna de fazer as coisas. mas, isso vem dando resultados práticos, concretos, as pessoas que nós beneficiamos por trabalharem no olodum, por estar na escola criativa, os trabalhos que agente realiza no pelourinho, as pessoas que nós levamos para fora do brasil, a renda  que nós pagamos, a geração de renda, a sustentação de famílias, a produção de material para a própria comunidade negra, textos, jornais, a realização de cursos, seminários. quer dizer, isso é um serviço social com um custo altíssimo que ainda não foi computado pela própria comunidade negra. para você ter uma idéia.
Há muito tempo atrás qualquer organização negra para se reunir precisava pedir espaço aqui e ali, hoje nós oferecemos nosso auditório para qualquer reunião, não precisa mais pedir a ninguém. tem uma entidade negra que tem o seu espaço capaz de atender bem, fazer desde casamento , batizado, 15 anos, como cursos, seminários, palestras, recepção, etc. e é nosso, não foi dado por ninguém, foi adquirida pela luta do Olodum. então, isso é alguma coisa, porque nos anos 80 nós não encontrávamos; a gente para se reunir tinha que ir para o teatro Miguel Santana, a diretora as 9 horas apagava a luz para a gente ir. hoje se a gente quiser ficar aqui até meia noite, a gente fica. isso é uma capacitação de você poder fazer suas próprias coisas, então a gente pode dizer sim e não ao que a gente quer dizer. e tem aqui uma casa de cultura, aberta, atuante, sempre a disposição das pessoas; é um serviço público, não é?
J.- E a nível pessoal, como é para você ter passado por uma militância negra? o que isso formou em você?
J.J.-tem sido uma experiência fantástica. eu sou um poeta, eu escrevo poesias, escrevo textos e gosto de escrita como uma arma flamejante. então, nestes últimos 15 anos que tenho estado nas ruas de salvador eu consegui realizar meu sonho de ver negros na Bahia vestidos de Egito, vestido de Madagascar, de Etiópia; ajudei a cortar a história de Lampião, Corisco e Maria Bonita; peguei meu sonho de adolescente, de criança e materializei junto com meus companheiros no olodum. imaginava, por exemplo, há 10 anos atrás que uma organização negra tinha que ter sede, tinha que ter escola, uma boutique, equipamentos, tinha que poder se comunicar com o mundo, tinha que conhecer países e hoje eu me sinto sinceramente honrado de ter podido participar dessa luta e ao mesmo tempo me sinto prezarmos de tudo que eu imaginava fazer foi feito, agora falta o que? um canal de televisão, uma emissora de rádio e comprar um satélite   e a nível pessoal, claro, tem um prazer muito grande em ter sido parte da luta de meu povo aqui e aprendi nos longos anos de viagens internacionais, principalmente na África, que tinha de escolher entre a opção de ser um moleque ou ser um estadista. como o Brasil não tem estadista negro, resolvi que seria melhor tentar ser um estadista negro.
Alguém com capacidade de liderar uma luta de nosso povo e ao mesmo tempo ter condições de tranqüilidade para negociar os momentos mais difíceis; quando pessoas nossas são baleadas, são assassinadas, no momento de tensão com a polícia, negociar com todos os setores com respeitabilidade. hoje tenho sido, nos últimos anos, um interlocutor da comunidade negra no estado da Bahia, com o governo, com empresas, com agentes nacionais e internacionais com crédito. Você sabe que eu não brigo nada para mim, pelo contrário, tudo está sendo colocado à disposição de uma estrutura que funciona para todos. e isso é muito importante porque deu credibilidade à fundação Olodum para ser o responsável por repasse de recursos para eventos, ao mesmo tempo de ser um interlocutor com os setores quando as coisas se dificultam e ao mesmo tempo também deu ao mnu um interlocutor [positivo que é o Olodum através do seu presidente.
J.- você já tem quanto tempo no Olodum? 
J.J.- Eu estou no Olodum desde 83. primeiro, fui eleito diretor de cultura, depois fui eleito presidente, já estou no segundo mandato como presidente, termino em 25 de abril de 1995.
J.- Bom, de minha parte era só.

Alpha Blondy - Deus

ALPHA BLONDY
DEUS
Em 1986 na cidade sagrada de Uidah no Benin antigo Daomé, encontrei numa feira, um vendedor de fitas e discos, com uma fita cuja capa trazia uma foto de Alpha Blondy sentado sobre um vasilhame de óleo, e com a inscrição “Apartheid is Nazismo “ . Começava ali o namoro do Olodum com a melhor parte da música africana, a moderna  e combativa música do começo do mundo, da ancestralidade africana, aos delírios dos jovens urbanos de Lago, Cotonu, Luanda, Brazzaville, as metrópoles coloniais das potências européias.
Vim da África com a música de Alpha Blondy na bagagem, mostrei animado a algumas pessoas no Olodum, e logo elas viraram a cara, não era o som de Bob  Marley, não era a música axé da Bahia, nem era a música light dos americanos, era o reggae pesado da denuncia, da militância negra, da anti-violência, era o chamado das consciências adormecidas. Apesar do desinteresse inicial continuei insistindo para que as pessoas do Olodum e a negritude baiana escutassem este fenomeno africano musical. Tocamos Alpha Blondy nos programas de rádios em Salvador, na Casa de Olodum.
Voltei á África á Angola e ao Senegal e lá estava, cada vez mais, a presença de Alpha Blondy, novos discos, novos hits, sendo em 1988 um grande sucesso, “ Jerusalém “,  uma música celestial que chamava Árabes e Judeus, para a paz, e parar com a Guerra, gravado com a banda de Bob Marley - The Waileres, e aos poucos o reggae de Alpha Blondy foi conquistando os corações mais duros, e penetrando na alma de todos os povos, fazendo dançar e descobrir a nova consciência negra, e humana.
Os seus shows no mundo inteiro são símbolos de sucesso e êxtase. O disco live gravado ao vivo em Paris, no Zenith, é um encontro das forças cósmicas, com a alegria  de viver. Alpha Blondy tem 41 anos e nasceu na Costa do Marfim, antiga Costa dos Escravos. Viveu em New York, e tem como base de atuação a cidade de Paris na França. Alpha Blondy tem muito em comum com o Olodum , a luta política por um mundo melhor, a dureza da música militante, o apego a modernidade africanista, a valorização da história e da identidade negra, e a mesma facilidade de despertar raiva nos racistas que não desejam ver os negros vivendo em um mundo melhor. 
Até os atentados a bala, são comuns a Alpha Blondy e ao Olodum. As cores da libertação africana, a mistura da fé islâmica, com o rastafarianismo, as religiões tradicionais africanas misturam-se em liqüidificador ecumênico, o gesto ousado, a palavra afiada, a música dilacerante,  contribui para a elevação espiritual de milhões de pessoas em todo o Mundo, que se libertam da inconsciência, e da opressão.
É por estes motivos que temos o maior orgulho de receber na Casa do Olodum, uma das mais importantes personalidades da África viva, que é Alpha Blondy. A Casa do Olodum, um poderoso símbolo da cultura Afro-Brasileira, vai estar radiante como o Sol, quando o cometa Alpha Blondy estiver dando os primeiros passos nas escadas para o Auditório Nelsom Mandela.   A mesma Casa que já recebeu Linton Kewsi Jonhsom, Mutabaruka, Jymmy Cliff, Paul Simon. O mesmo grupo que já recepcionou o Bispo Desmond Tutu, que já recepcionou Nelsom Mandela terá agora a honra de receber um irmão da luta, e da dignidade.
A Bahia que há tanto tempo não recebe personalidades mundiais, escondida no próprio umbigo. A Bahia será momentaneamente a Tróia Negra, a Roma negra, a Jerusalém negra, a capital espiritual e civilizatória dos dois bilhões de africanos dispersos pelo novo mundo e pelo velho mundo. Que bom que a unha de Deus está de volta, e vai passar por aqui, para iluminar as nossas cabeças, e os nossos corações.
João Jorge – 
Presidente & Diretor  de Cultura

Quando no Egito... Gizé