quarta-feira, 23 de novembro de 2011

“A África que os baianos imaginam é a de Tarzan" Revista Muito - Jornal a tarde dia 13 de novembro de 2011

“A África que os baianos imaginam é a de Tarzan”

postado por Tatiana Mendonça @ 10:20 AM
18 de novembro de 2011
Ronaldo Jacobina
Foto: Fernando Vivas | Ag. A TARDE
Nos últimos 32 anos, o baiano João Jorge Rodrigues, 55, sempre esteve no comando do Grupo Olodum. Ora como diretor cultural, ora como presidente, cargo que está ocupando pela quinta vez. Envolvido com a organização de vários eventos que serão realizados na Semana da Consciência Negra, que acontecerá até 20 de novembro, quando a data será comemorada, João Jorge ainda encontra tempo para pensar no seu projeto de estudo que lhe abrirá as portas da Universidade de New Orleans, nos Estados Unidos, onde pretende cursar o doutorado. Militante da questão da igualdade racial, advogado, mestre em direito público, ele se queixa da falta de reconhecimento da Bahia pelo trabalho de divulgação do Estado pelo mundo através do Olodum. Apesar da luta que trava na defesa da população afrodescendente, admite que o movimento ainda está preso à África dos tempos ancestrais e que é preciso avançar e se conectar com a contemporaneidade. À frente do Olodum, orgulha-se da marca de 5,5 milhões de discos vendidos e critica as atuais letras do pagode que desqualificam as mulheres. Sua meta principal agora é reconquistar a Bahia.
Você defende que o discurso do racismo ficou velho e que a luta hoje é pela igualdade racial. Que conquistas considera importantes nesta questão da igualdade?
As oportunidades de termos uma formação completa, de emprego, salários decentes, casas para morar, segurança. É uma série de itens que promove a igualdade racial. Não estou dizendo que o racismo acabou, não seria ingênuo de afirmar isso, mas que as condições do Brasil e de outros países se renderam a um ambiente muito mais favorável à luta contra o racismo. Agora é preciso avançar na igualdade.
O tempo que você viveu nos Estados Unidos ajudou nesse seu ativismo?
Tem a ver com as muitas viagens que fiz pelo mundo. Sempre que saía daqui ficava comparando as coisas. Vejo os grandes debates do mundo contemporâneo e percebo a ausência disso na Bahia, estamos muito centrados em nós mesmos.
O preconceito racial na Bahia é velado?
É extremamente forte, é velado. Em tese, todos dizem que aqui é a terra da felicidade, da alegria, e escondem esse preconceito, tornando-o uma coisa subalterna para não incomodar o poder instituído que está aí. E a pretensão ideológica de todo governo da Bahia, desde que nasci, é a de que aqui não temos racismo. Ora, se existem muitos negros e estes não estão em posição de destaque, tem racismo. Se há muitos negros nas prisões, se morrem dezenas de negros todo final de semana, tem racismo. Há um preconceito forte, estruturado, que vem da colônia, do império, se ampliou na república e está nas instituições em geral.
Qual o papel do Olodum na posição que os negros ocupam hoje na Bahia?
Primeiro, o de conscientização. Sobre o Pelourinho, a comunidade, a moradia, a violência, a oportunidade. Nos 37 países que visitamos com o Olodum, levamos muitas pessoas para ver o mundo. Abrimos os intercâmbios internacionais a pessoas que não tinham oportunidade e realizamos a luta que tínhamos que realizar. Cometemos erros, às vezes nos afastamos do caminho, mas continuamos na direção.
O grupo Olodum foi criado há 32 anos com a bandeira de oposição ao sistema vigente. Qual a posição de vocês com relação à política feita na Bahia hoje?
Fomos criados para promover o Carnaval, combater o racismo e promover o bem-estar da comunidade afro-brasileira. Isso ainda no período da ditadura militar, quando a Bahia era comandada por um grupo político que estava há tempos no poder. E nós discordamos disso porque éramos vítimas desses dois sistemas. Com o atual governo, temos relações independentes e fazemos as críticas nas áreas que entendemos que não estão indo bem.
O que o levou a tentar uma candidatura ao Senado pelo PV em 2010 e o que inviabilizou sua candidatura?
Nós não tivemos ainda nenhum senador negro na Bahia, e eu entendi ser interessante ter uma participação ativa na política, não por um mandato diferente, mas por um mandato onde havia duas vagas. Estava num pequeno partido que tinha condições de disputar as duas, mas as elites do PV saíram com um único candidato, com medo do que essa presença política cultural nova ganhasse a eleição.
Como você está vendo a condução da política cultural na Bahia ?
O governo Wagner teve muitos problemas com a área cultural na primeira gestão, reconheceu isso de tal forma que trocou o secretário Márcio Meirelles por Albino Rubim. Essa troca de gestor foi fundamental. O atual secretário tem um diálogo mais amplo com a comunidade cultural. Mas é preciso dar um salto de qualidade na cultura. Não podemos nos pautar pelo passado, é preciso se antenar com o contemporâneo.
Qual a relação do Olodum com o poder?
Às vezes de estar contra, outras de convivência e, muitas vezes, de estranhamento. Não queremos privilégios, mas o mesmo apoio que todos recebem. Queremos o reconhecimento do que a gente fez e faz pela Bahia. Ajudamos a Bahia internacionalmente. Com Michael Jackson, com Paul Simon, a Bahia foi divulgada no mundo inteiro.
Como vê a situação do Pelourinho hoje?
O Olodum não vai sair do Pelourinho e tende a ampliar a presença aqui. Temos a nossa escola com mais de 360 alunos, 99% das atividades são aqui. A situação agora é de transição. Temos uma política bacana do atual secretário da Cultura de tornar o Pelourinho um bairro da diversidade. É uma área emblemática de Salvador, da Bahia e do Brasil e não merece essa desconstrução.
O que pode ser feito para melhorar?
É preciso manter a força da cultura popular aqui. Houve uma tentativa de fazer daqui um palco de atrações que não cabiam. Retiraram tudo e não colocaram nada no lugar. O baiano, os políticos, os empresários precisam frequentar o Pelourinho.
Você diz que Salvador está isolada do mundo. O que está acontecendo?
A Bahia perdeu muito da sua capacidade criativa e inovadora nas áreas da literatura, teatro, música, artes visuais, lazer e do entretenimento. Quando se perde essa capacidade de fazer coisas novas em todas essas áreas, você passa a viver do antigo, não que este seja ruim, mas não se estabelece ponte com o presente e com o futuro. A Bahia precisa inovar. O teatro feito hoje é o mesmo dos anos 1980. Na música, ainda estamos na última invenção, que foi o samba-reggae. Nada de novo de lá para cá. A Bahia estagnou. Mais, estamos voltando para trás.
Por que essa estagnação?
Acho que há uma questão também da inteligência baiana. Repare, no campo do movimento negro. Quando eu digo que a gente tem que, além de combater o racismo, falar de igualdade, há quem diga que não quer parar de falar de racismo. Ora, precisamos parar de falar só isso. É preciso dar um passo adiante, ver as mudanças. A atualidade da África hoje é impressionante.
Emanoel Araújo diz que a Bahia criou uma África que só existe aqui.
A África que os baianos imaginam é a de Tarzan. Mesmo as organizações negras têm dificuldade de lidar com isso. O fato de Mandela ter sido presidente na África do Sul, ter deixado o governo, ter tido outros governantes, não impactou a Bahia. A Bahia continua pensando em Shaka, o rei dos zulus, no sisal, em gente dançando de peitos de fora. Precisamos nos conectar com a África de hoje.

Isso atrasa a luta pela igualdade?
Atrasa, atrasa o movimento negro e dá uma concepção errada do que é a realidade. Por exemplo, aqui vestimos roupas ocidentais, mas há quem use roupas africanas, quando nem todos os africanos vestem as roupas da “baiana”. A maioria lá se veste com roupa ocidental. Quando vamos à África, temos um choque, porque não é a mesma que imaginamos aqui. Os países deram um impulso para a atualidade. A Bahia, o movimento negro, todos nós precisamos de um choque de 2011.
A banda Olodum tornou-se, segundo você, uma embaixada, não oficial, da Bahia no mundo. Ainda é assim?
O grande embaixador cultural do Brasil chama-se Olodum. Essas cores, esse símbolo, quando aparecem em qualquer lugar do mundo, é associado à Bahia.
Como você avalia a perda de espaço do samba-reggae para o pagode?
Travamos todo tempo uma guerra contra produtoras, contra um modelo de pensamento. O samba-reggae é uma música político-ideológica da comunidade negra, pulsante e dinâmica. Ora, ela não atendia aos esquemas da indústria de entretenimento. Então, aqui na Bahia, esse espaço foi diminuído, substituído por algo terrível, que não é o pagode em si, mas as coisas que não são boas dentro do pagode. Então, o fato de não terem esse controle sobre o nosso produto levou a isso.
O Olodum se afastou dos baianos?
O grupo Olodum é uma das maiores organizações brasileiras, conhecida internacionalmente, e ilustremente desconhecida na Bahia. Os baianos passaram a ver o Olodum como algo intangível, uma marca que é nossa, mas que eu não pego, não vejo, não ouço, e isso, principalmente, no interior. Acham que não podem contratar o Olodum para São João, micareta, shows, porque é caro.
Essa imagem não foi criada por vocês?
Não. Criou-se um mito. Agora vamos andar pelos bairros populares, pelo interior, para tirar o estigma.
Afinal, o que motivou a ruptura de Neguinho do Samba com o Olodum?
Neguinho do Samba criou a Didá enquanto ainda estava no Olodum. Todos os artistas que passam pelo grupo podem ter projetos paralelos Nossa intenção não é prendê-los. Não houve uma ruptura no sentido trágico, mas de alguém que queria construir uma outra coisa. Sempre tivemos uma relação fraterna.
O Bando de Teatro Olodum ganhou projeção nacional. Ó Paí Ó virou filme e minissérie, mostrando uma Bahia folclórica. Como você viu essas adaptações?
As duas versões têm várias distorções, que repetem essa Bahia feliz, esse linguajar. Foi interessante porque levou a Bahia para as telas. Há excesso de palavrões, mas não pudemos interferir porque demos total autonomia ao grupo de fazer um espaço para atores negros fantástico.
Qual a vinculação do bando e de Márcio Meirelles com o grupo Olodum?
O bando ficou como uma construção individual de Márcio. Ele trabalhou nesse sentido, não interferimos porque o que queríamos era a construção de atores negros para estarem na televisão, teatro e cinema.

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