Racismo estrutural x Ações afirmativas 2020
‘’O
racismo estrutural, as políticas de ações afirmativas e o que que o movimento
negro deve fazer para ser contemporâneo de si mesmo. Óbvio que tudo começa com a movimentação nos
Estados Unidos ,agora com a morte de George Floyd, mas é algo
que vêm
acontecendo sistematicamente na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo...E
dentro do próprio
Estados Unidos isso vem acontecendo porque a polícia precisa praticar atos de
violência
para intimidar a população negra ou diferente. ‘’
João Jorge Santos Rodrigues
Hanka
Nogueira: ‘’Hoje vem se falando muito do racismo
estrutural, parece que é um
tema novo, porém, sabemos que não é.
Nós
temos um caminho trilhado e se trilhando através do direito, através do Estado democrático de
direito e sabemos que para se manter uma democracia fortalecida não podemos
abrir mão de uma luta antirracista, antifascista e tudo ou todas essas sequelas
que temos na nossa sociedade.Então, eu gostaria de uma explicação bem breve do
que vem a ser esse racismo estrutural que tanto se comentam como se fosse algo
novo.’’
João
Jorge: ‘’Bem, o racismo estrutural é a forma pela qual uma
sociedade se organiza para impedir que certos grupos humanos participem das
suas riquezas, e as vezes se organizam pela cor da pele, pela cultura ou pela
história.
O racismo estrutural existe há muito tempo, passando pelo Egito, Grécia, por Roma, passou pela
cultura geral da Índia, da China e do Japão... E nos anos 70 voltou a ser muito
falado, principalmente, pelas lideranças africanas nos países de língua portuguesa;
Samora Machel, Amílcar Cabral, Agostinho Neto.
E
era também
uma fala muito comum de Mandela sobre como a África do Sul estava estruturado
em cima do racismo... não era apenas um país capitalista, era um país
capitalista e racista. Esses países são: Brasil, é um país racista e
capitalista. Estados Unidos é um
país racista e capitalista. A Austrália é um
país racista e capitalista. Israel hoje é um país racista e
capitalista. Porque esses países se organizam estruturalmente de forma que o
outro não possa acender
economicamente/socialmente a nível de trabalho, de
renda, de moradia, e de direitos fundamentais.
Essas
sociedades até falam
que praticam a sociedade de estado de direito ou sociedades democráticas, mas
foram, por exemplo, os afro-americanos quando voltaram da segunda guerra
mundial questionados se poderiam entrar ou não na padaria na lanchonete; ‘’lutei
pela democracia, por nosso país, e aqui a piscina é diferente, o lugar no ônibus
é diferente...’’. Então o racismo estrutural é algo que ele vem sendo
descoberto desde os anos 40, um momento depois da segunda guerra mundial, mas
também
foi muito falado na libertação africana de vários países. E no Brasil, os
principais líderes disso foram, Abdias do Nascimento e Léila
Gonzalez.
Olha,
a questão não é só individual, a questão é coletiva,
é da
comunidade, é do
conjunto de pessoas que formam a negritude, que formam a população indígena, que formam os
ciganos... E que são desprezados pela estrutura que se montou. Então, o racismo
estrutural é assim:
O Brasil, 520 anos, dos quais 388 anos dedicados a escravidão da população
africana e um conjunto de leis criadas no Brasil Colônia, Brasil Império e Brasil Republica, que
deixou à margem
a população negra que hoje é mais
de 52% da população. Então, esse racismo impede a ascensão econômica, – você não tem ascensão econômica – impede ascensão educacional, – você não tem acesso aos cursos
públicos de graduação, mestrado e doutorado, impede o programa de bolsas
internacionais, impede de ser prefeito, governador, senador e de ser
presidente.
Porque é fácil a pergunta: ‘’Ah, o movimento negro
brasileiro não luta pra chegar ao poder’’, nós estamos na luta mais ativa
que tem no planeta terra hoje, é a luta do movimento negro brasileiro. Estamos
aqui desde 1500 com Cabral, desde 1549 quando Salvador foi fundada já com
africanos sendo trazidos por Portugal, e ainda sim, temos sobre nós um poder colonial enorme!
Vejamos o caso de Salvador com 3 milhões de habitantes, 82% da população
descendentes de africanos, a brutalidade que nos temos de 163 bairros, a
maioria tem o IDH próximo
aos países mais pobres do mundo... Então, o racismo não é a
cor da pele, não é o
cabelo, não é você,
Hanka, não é aquela mulher preta ou
negra, o racismo é como você estrutura
para aquele povo não se
libertar. Nós
tivemos o Brasil Colônia, Brasil Independente e Brasil Império com filho de português governando o país, Brasil
Republica, com militares governando o país... E por quê que nesses 520 anos a
população negra não
está nos 27 estados? Na prefeitura? No senado?
Por causa do racismo estrutural.
Quando
se compara o Brasil com os Estados Unidos observamos o seguinte, os Estados
Unidos têm
uma população negra ativa mas tem a sociedade ativa também contra o racismo. As ações
afirmativas dos Estados Unidos avançaram, fizeram as empresas vê que era bom,
fizeram o sistema do governo vê que era bom, as universidades passaram a ver
que era bom.
É
obvio quando você iguala as oportunidades tem um setor que diz: ‘’Não, espera aí, não
pode ser assim não
porque está tirando do meu’’. Eu quando fiz o mestrado
em Brasília, terminei pesquisando muitas defesas de moradores de Salvador
contra as cotas na UNEB (Universidade do Estado da Bahia) e começava com o pai
dizendo assim: ‘’Eu, fulano de tal, branco, morador de tal bairro de Salvador,
preparei os meus filhos para ir para a universidade pública e agora vem essa
tal de lei de cotas que tira o lugar dos meus filhos.’’ o vestibular nunca
garantiu lugar de ninguém,
o concurso público não
pode nunca garantir o lugar de ninguém, mas estruturalmente é feito para que certas
pessoas não tenham oportunidade.
No
Brasil, os únicos lugares que o racismo estrutural não afetou sobremaneira são
no futebol e na música. Na seleção brasileira você tem Garrincha, Pelé, tem diferentes nomes
pretos ou mestiços, temos 5 títulos mundiais de futebol. E na música, você consegue ter alguns
expoentes que conseguem passar por esse filtro nervoso do racismo estrutural.
Então racismo estrutural é a negação de oportunidades e
igualdade em uma democracia que assenta e se organiza para dar privilégios a uns e tirar a
igualdade de outros. E como é que
isso acontece? Via o que? Via administração pública, via educação, via religião
oficial do Estado e via comunicação social. Então, quando a gente está falando,
hoje, de racismo estrutural não estamos falando porque ouvimos falar fora do
Brasil, estamos falando a realidade da Bahia em Salvador, na festa de Santa
Monica, como a polícia abordou essa semana, nos tiros que matam jovens e mulheres
na favela do Rio de Janeiro e São Paulo e na falta de oportunidades.’’
Hanka
Nogueira: Queria que você fizesse uma explanação
do que vem a ser política de ações afirmativas e como ela é pensada no mundo e no
Brasil. E essas ações seriam o remédio para o racismo estrutural?
João
Jorge: As políticas de ações afirmativas
tiveram surgimento na Índia em 1947. Logo que se tornou independente a Índia
teve que pensar em políticas para os dalits,
os dalits
são os intocáveis, cerca de 150 milhões de pessoas que pelo hinduísmo são considerados os pés da humanidade. Ghandi, por
ter uma demanda grande teve dificuldade em lidar com a mesma, ainda sim, eles
deram início a uma política de ação afirmativa na educação, na saúde e entre
outras áreas. Seguidamente foi se espalhando entre Ásia, China e outros países asiáticos.
Mesmo
sendo considerado uma república e um país ‘’democrático’’, os Estados Unidos não
permitiam os direitos civis. Não permitiam igualdade nos ônibus, nas
universidades, nas escolas de primeiro e segundo grau ou nas piscinas públicas.
Esse movimento se iniciou com Rosa Parks, ao se negar ceder o lugar no ônibus
acaba sendo presa e quem aparece como seu advogado é Martin Luther King. Além disso, em 1963, logo após a morte do presidente John
Kennedy, o presidente Lyndon B. Johnson consegue realizar alguns atos de ações
afirmativa nos Estados Unidos, que previa durante 50 anos empresas, governo, a
sociedade como um todo, praticassem estas ações.
Uma
das ações afirmativas mais conhecidas são a de cotas; cotas para universidade,
cotas para emprego, cotas para empréstimo bancário..., mas
existem diversas espécies
de ações afirmativas, por exemplo, por exemplo o
vale estudantil. Presumindo que os estudantes não podem pagar pelo transporte público
ou arcar com o investimento, criou-se um modelo em que os estudantes paguem
apenas 50% dos valores em espaços como ônibus e metrô. Assim como, a
aposentadoria, calcula-se que alguém trabalha por 30 anos e não podendo
trabalhar o resto da vida se reserva da sociedade valores para a aposentadoria.
Ação afirmativa é quando reconhecemos uma
desigualdade ou opressão e desenvolvemos ações que visam igualar, nivelar e
aproximar as oportunidades. Essas ações são o que se tem de mais novo
na política brasileira, ela precisa se estender aos partidos políticos, aos
cargos de comissão de todo o país, as forças armadas, as todos os cursos
superiores, na graduação, pós-graduação, nos concursos de professores...
Essas ações visam curar essa doença que os brasileiros tem de praticar o racismo contra índios, mulheres, negros, ciganos e uma população diferenciada. Sem as ações afirmativas não teríamos hoje o grande número de estudantes de origem africana nas universidades. A sociedade baiana, soteropolitana, brasileira, não vai se libertar do racismo estrutural sem ações afirmativas. As ações afirmativas são políticas de reparação
Direito Constitucional. Igualdade. Ação Afirmativa.
Movimento Negro. Reparação.
[1]
live no
instagram com Dr. Hanka Nogueira e o Dr. João Jorge.Dia 26 de junho de 2020 .
Endereço no Instagram.
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